Cinco motivos para assistir a 7ª temporada de Star Wars – Clone Wars

Star Wars para fãs de Jean-Paul Sartre.

Aceitar o “novo normal” é um desafio contínuo. Cada dia é chance de assentar um novo hábito que, pelo jeito, não vai nos deixar pelos próximos meses ou até anos.

Parte desse normal é saciar doses cetáceas por histórias, rotina que não pode ser desafiada sob o risco da propagação dessa peste desgraçada. Sendo uma obrigação pra quem não gosta e oportunidade para os adictos, assistir/ler cada nova história preenche uma lacuna que não se sabia que estavam ali. E a 7ª temporada de Star Wars – Clone Wars é um exemplo surpreendente.

Galinha dos ovos de ouro da Disney, Star Wars é uma franquia que se entorta diante do próprio peso, tamanha é a exploração em centenas de sub-produtos, filos, classes, nichos e cepas, com ramos tanto celebrados e quanto constrangedores.

Cânones, postulados e emaranhados narrativos se amontoam ao longo de décadas. E ainda assim, a animação capitaneada por Dave Filoni, mesmo após interrupções e retomadas, mostrou que ainda (ou finalmente) tem fôlego narrativo. Aqui indicamos cinco razões do porquê.

Mas antes de continuar, segue o aviso:

 

Colocou Ahsoka Tano em primeiro plano

Quando apresentada na rasa animação original de 2008, Ahsoka Tano, a aprendiz adolescente de Anakin Skywalker, era uma pentelha insolente, insubordinada às ordens do general da República durante as Guerras Clônicas. Faz pensar, a função dela era revelar a estatura heróica de Anakin Skywalker, um ideal de Cavaleiro Jedi que Hayden Christensen e George Lucas não conseguiram nos entregar nos filmes de 2002 e 2005.

Foi apenas na 5ª temporada da animação (2013), com os roteiros de Charles Murray, que Ahsoka deixou de ser uma “escada” para as peripécias de Anakin e se tornou uma personagem multi-dimensional. Após ser caluniada, traída e exonerada da Ordem Jedi, ela escolhe seguir o próprio caminho, mesmo depois de inocentada pelo crime de que foi acusada.

Na 7ª temporada, após 4 episódios soporíferos que exploram aspectos da guerra dos clones contra os separatistas (ambos comandados secretamente por Darth Sidious), é a vez de Ahsoka Tano protagonizar 8 episódios restantes. Neles, ela vivencia a amarga realidade da periferia de Coruscant enquanto testemunha à distância os acontecimentos levaram à ascensão do Império.

 

Lapidou alguns eventos na linha do tempo de Star Wars

A série Star Wars – Rebels (2014-2018) revelou nas suas duas últimas temporadas que Ahsoka Tano, adulta e usando a alcunha de Fulcrum, foi a pivô do surgimento da Aliança Rebelde. Foi ela uma das principais articuladoras das forças contra o Império, operando junto aos guerrilheiros de Jedha e direcionado os contrabandos de coaxium, o combustível das naves que o jovem Han Solo foi contratado para roubar.

Foi ela também quem selou o apoio de alguns ex-soldados clones, como o capitão Rex, para a causa que transformará Luke Skywalker, Han Solo e Leia Organa em lendas. Agora, na 7ª temporada de Clone Wars, é possível preencher algumas lacunas.

Rex, assim como os demais soldados clones, se viraram contra os Jedi ao receber o comando da Ordem 66. A ordem de Darth Sidious foi o evento catalizador que transformou os Jedi numa casta criminosa, acusada de alta traição da República e condenada ao extermínio. Como revela o episódio 11 desta temporada, Ahsoka foi à beira do suicídio para extrair do cérebro de Rex o implante homicida de Jedi, ato de lealdade e amizade que definiria a vida de ambos nos anos a seguir.

Ahsoka também derrubou o domínio de Maul sobre o planeta Mandalore. Vale lembrar que Maul foi “ressucitado” na 4ª temporada da animação e não é mais um “Darth”, um seguidor dos Sith. É a derrota nas mãos de Ahsoka que levará Maul a assumir a posição de chefe da Black Sun, sindicato do crime da Orla Exterior. É este mesmo sindicato que estava por trás do contrabando de coaxium para qual Han Solo e Tobias Beckett foram contratados.

Ainda resta saber qual será a participação de Ahsoka Tano nos eventos após o filme O Retorno de Jedi, afinal foi confirmado que a atriz Rosario Dawnson será a intérprete da personagem na 2ª temporada de O Mandalorian.

 

Deu sobriedade ao universo de Star Wars (as irmãs órfãs)

Se você não viu, esteja avisado, os episódios 5 a 8 da 7ª temporada são fillers descarados. Se fossem condensados em um só seria perfeito, vez que mostra o destino que Ahsoka trilhou assim que pisou fora do Templo Jedi. Sem diploma, lenço ou documento, ela descobre que “no mundo real” nada se ganha se não oferecer algo em troca.

Estas são lições aprendidas e ensinadas a Ahsoka por Rafa e Trace Martez, duas irmãs que vivem nos níveis mais abissais de Coruscant, a capital da República. Pela primeira vez para a ex-Jedi (e para a audiência) é possível entender como os Jedi, cercados por sua bolha de intrigas políticas e moralidade metafísica, estavam alienados das pessoas que deviam proteger.

As irmãs que acolheram Ahsoka se tornaram órfãs após uma Jedi arremessar uma nave contra o prédio em que viviam. O evento impediu a morte de milhares, mas ceifou a vida dos pais das irmãs. O único “consolo” veio da própria Jedi que as visitou no dia seguinte. “Tudo é um desígnio da Força”, disse ela, para duas crianças traumatizadas, completamente alheias à fé daquela figura austera e quase onírica. Ahsoka entende de forma vívida por que os Jedi não são exatamente os portadores da bondade e justiça na República.

 

A história passou a ser mais importante que a técnica de narração

Claro, Clone Wars é uma série de animação da Disney voltada para crianças. É natural que boa parte dos episódios fossem uma vitrine para a apresentação de novos personagens, naves, veículos e tudo mais que possa se transformar em brinquedos para o próximo Natal. Se você teve tempo e paciência para assistir da 1ª até a 6ª temporada sabe que a série serve muito bem a este propósito.

A 7ª temporada, porém, revela um esforço para tornar a narrativa, a história, mais importante do que a técnica de narração. A técnica, ou seja, a animação, serve à história, e não o contrário. Expressão evidente disso foi a captação de movimentos realizada para mostrar o duelo de Maul e Ahsoka feitas por Ray Park e Mary Lauren Kim.

Park, intérprete original de Darth Maul no filme A Ameaça Fantasma, é um artista marcial exímio, e conferiu uma “assinatura” corporal ao personagem. É essa marca que o fã consegue reconhecer na disputa dos personagens, um ballet épico que excede os limites da animação para crianças. É uma nota de rodapé saborosa para quem gosta. Para quem jamais botou os olhos na série, uma narrativa visual que equivale a à história.

 

A série descobriu qual é o foco da sua história

Ahsoka Tano, Rafa e Trace Martez, o Capitão Rex são os protagonistas da 7ª temporada de Clone Wars. Eles não são “os escolhidos”, nem generais, nem princesas. Eles são pessoas comuns, parte de uma massa invisível aos grandes acontecimentos que cercam o desenrolar Star Wars.  Dito de outra forma, aqui os personagens não estão presos ao “monomito”.

Descrito por Joseph Campbell e zelosamente observado por George Lucas, o “monomito” ou “a jornada do herói” muitas vezes é sacada como uma “fórmula infalível” nas mãos de quem busca a simpatia mais assegurada do público. Efeito adverso, o monomito torna as narrativas repetitivas, preguiçosas, e o desfecho pode ser antecipado de longe. Aqui, espantosamente, não é bem o caso.

A vida de Ahsoka e Rex, em especial, são repletas de conflitos e dramas imprevisíveis. Há uma série eventos que nós, como audiência, sabemos ser inevitáveis, mas que estão fora do controle deles. E são as decisões que eles tomam diante destes eventos que definem a identidade de cada um de forma inesperada.

O último filme da saga, Star Wars – A Ascenção Skywalker (2019) foi um desastre, desagradando a muitos (eu). Revelou que J.J. Abrams não foi capaz de alçar vôo além dos limites da estrutura de uma franquia, e recuou aos campos do monomito tornando Rey uma “escolhida” de linhagem nobre.

Já esta última temporada de Clone Wars se revelou um dos exemplares mais originais de Star Wars, as vezes ousado, amiúde desajeitado, mas um teste de força de ideias filosóficas como o existencialismo de Jean-Paul Sartre. Afinal, como vem descobrindo a ex-Jedi, é a experiência de vida dela, e não a essência, que define o ser.

Sobre Velho Quadrinheiro

Já viu, ouviu e leu muita coisa na vida. Mas não o suficiente. Sabe muito sobre pouca coisa. É disposto a mudar de idéia se o argumento for válido.
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