Conheça a obra Desaplanar, de Nick Sousanis.
Por Dani Marino*
A primeira tese de doutorado em quadrinhos da Faculdade de artes Gráficas de Universidade de Columbia, EUA, é também uma obra premiada dentro e fora do universo da Nona Arte. Lançada em 2017 pela Ed. Veneta (208 pgs, Trad. De Érico Assis), Desaplanar, de Nick Sousanis, é uma daquelas obras que você recomendaria a todas as pessoas que conhece, independentemente de elas terem alguma relação com quadrinhos.
Ao longo dos 10 capítulos da obra o autor nos leva a uma verdadeira viagem digna dos quadrinhos poético-filosóficos de Gazy Andraus, por exemplo. Para quem não conhece o trabalho do quadrinista e pesquisador Gazy, vale a pena dar uma olhada e comparar com o trabalho de Sousanis. A semelhança é realmente incrível, o que nos remete à ideia de que este tipo de produção não é uma exclusividade dos brasileiros, embora eles sejam, talvez, pioneiros.
“Buscar continuamente o que está além do nosso horizonte chama-se curiosidade.” (p.42)
Os quadrinhos poético-filosóficos, assim como Desaplanar, são experiências que nos chamam à reflexão sobre nossa existência e sobre a forma como percebemos essa existência e a dos outros também. Por isso, no primeiro capítulo, Sousanis explica que nosso pensamento foi moldado ao longo do tempo, de forma que somos levados a pensar sempre da mesma forma sobre as mais diversas questões.
De acordo com o autor essa perspectiva é moldada como uma visão plana e bidimensional do mundo, somos levados a acreditar que só existe essa ou aquela perspectiva acerca de um determinado evento, quando na verdade, existem diversos planos e perspectivas que afetam sua compreensão.
“Pensar fora da caixa”, como Sousanis propõe, não é algo fácil, afinal, quanto mais tempo passamos dentro dos papéis que nos foram designados, tanto maior a dificuldade de transpor as barreiras do nosso pensamento bidimensional. Assim, ele vai nos guiando, pacientemente, por novos caminhos, por outras perspectivas possíveis além das que estamos acostumados, por meio de verdadeiras metáforas visuais, compostas de imagens e inúmeras referências à diversos autores, o que que faz com que Desaplanar seja mesmo uma jornada onírica, poética e filosófica que nos toca profundamente.
“Ao perceber que existem incontáveis perspectivas além daquelas onde estamos, ou mesmo de onde podemos ir, existe a imaginação. A imaginação nos possibilita superar nosso ponto de vista inevitavelmente limitado e encontrar perspectivas que não existem ou dimensões ainda inacessíveis.” (P.88)
Isso significa que se trata de uma obra com ritmo lento e que deve ser consumida com calma. No fim das contas, Desaplanar é uma HQ que fala mais sobre cada um de nós do que qualquer outra obra em quadrinhos, pois propõe um trajeto em rumo ao autoconhecimento.
Assim, ao chegar ao último capítulo, Despertar, nos damos conta que todo o caminho percorrido não nos deixou indiferentes. Não continuamos os mesmos depois de passar pelas páginas ricamente ilustradas e com uma infinidade de detalhes que nos remetem à Alegoria da Caverna, de Platão. Uma vez fora da caverna, não queremos mais voltar. Uma vez que abrimos nossas mentes para o fato de que não existe apenas “uma verdade” sobre um evento, mas múltiplas possibilidades de interpretações, dificilmente olharemos o mundo com os mesmos olhos de antes. O rio, como diz Heráclito, realmente não é o mesmo e nem nós.
“Desaplanar é envolver múltiplos pontos de vista para, a partir deles, produzir novos modos de ver”. (P. 32)
Por isso, não espere muito para ler e se encantar com Desaplanar, pois, certamente, você não será a mesma pessoa quando terminar a sua jornada. Boa Viagem!
*Dani Marino é colaboradora da Gibiteca Municipal de Santos e colabora com sites como o Quadro a Quadro e o Iluminerds, entre outros.
Veja a palestra do autor nas 4as Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos:
Caramba, a disposição dos quadros dele é realmente linda. Não sabia que isso (quadrinhos poético-filosóficos) era uma categoria por si só, mas realmente tem tudo a ver com os haikais, como o Gazy Andraus compara no link citado.
Aproveitando essa entrevista com o Gazy (que eu não conhecia, mas gostei mt), tem uma coisa que ele fala que me chamou atenção: o fato dele achar os quadrinhos atuais muito “aéticos” e “sem profundidade”.
Como não venho lendo (ainda) nenhum quadrinho atual, adoraria ver algum texto de algum de vocês do site (ou até mesmo da Dani) abordando esse tema. Até aqui eu supunha que era o contrário, a julgar pelos exemplos que o Nerdbully cita no seu texto a respeito da atual era “Pós-Moderna” ( https://quadrinheiros.com/2013/08/01/top-of-mind-os-5-melhores-quadrinhos-da-era-pos-moderna/ ).
Oi, Henri. Eu me referia mais às HQs mainstream de super-heróis atuais, e um tanto no geral. Mas há muitos autores que trazem material de alta qualidade, com ética e profundidade. Aconselho a ler, dos brasileiros, Laudo Ferreira, André Diniz e Edgar Franco.
Obrigado por ter respondido, Gazy, e obrigado também pelas recomendações. Um ótimo 2020!
Rapaz. .eu não conhecia. Entrei nesse site pra ler sobre Miracleman e achei isso. Hehe. Obrigado.
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