Conheça o Projeto Baiacu de Laerte e Angeli.
Dia 11 de Julho de 2017, no Teatro do SESC Ipiranga, Laerte e Angeli, sentados em cadeiras majestosas, inflaram algo. Longe de serem seus egos, eles inflaram ideias, desejos e vontades. Mais do que isso. Inflamaram o mercado editorial de quadrinhos. E não foi a primeira vez que essas duas figuras icônicas do Quadrinho Nacional tacam fogo e tiram tudo do lugar. Da vontade declarada de Laerte em retornar à produção mais simples e direta, mais engajada, mais anárquica, brotou a semente da retomada da parceria. Ao comprar um mimeógrafo ele acabou dando um impulso no que Angeli propôs, que era retomar um espaço em partes esquecido. Um gibi de experimentação que fosse acessível.
Veja o vídeo que gravamos lá.
Compondo corpo desse gibi entraram Carolina Guaycuru, Rafael Coutinho e André Conti. A primeira figura desse trio sem dúvida é um motor de tração único. Carolina é quem torna ativo e vivo boa parte do trabalho de Angeli e garante que o caminho se abra para sua consolidação. Uma Karen Berger Tupiniquim. Por sua vez, Rafael Coutinho entra para trazer a vivacidade da nova geração de quadrinistas. Um dos nomes de maior destaque do cenário nacional que não deixa de lado seu apoio e sua interação com movimentos independentes e inovadores, que fomentam o florescimento do mercado nacional. André Conti é um dos responsáveis pelo cenário editorial que temos hoje nas livrarias. Cuidou de publicações e selos importantes como a Quadrinhos na Cia e hoje é sócio da Editora Todavia.
Desse quinteto mágico, um dream team semelhante em peso ao que foi a chama inicial da Vertigo, começa a ser construída uma revista que ninguém sabe o que será. A proposta, por si só, já é “não explicada” no que os próprios criadores colocam como justificativa do nome:
Cerca de 150 espécies diferentes de peixes capazes de inflar o corpo quando se sentem ameaçados por um predador têm um nome popular em comum: baiacu. Inchando-se, parecem ser até três vezes maiores do que são e, assim, intimidam seus inimigos. A origem do termo revela outra característica: do tupi antigo, mbaé-acu é uma coisa quente, venenosa
Baiacu também da nome a uma revista que aproxima os quadrinistas Laerte e Angeli, dessa vez com os desenhistas mais jovens Rafael Coutinho e André Conti. A produção da revista, 30 anos após a referencial Chiclete com Banana, está ligada à residência artística desenvolvida na Casa do Sol, do Instituto Hilda Hist, com a participação de outros dez artistas nacionais e estrangeiros que se juntam ao quarteto para inflar esta Baiacu, destilando vida ao expelir venenos.
Porém essa iniciativa tem uma história.
Entre 1985 e 1995 o Brasil teve uma das mais interessantes editoras: a Circo Editorial, impulsionada principalmente pela gana de Toninho Mendes. Podemos encontrar razões diversas, desde a abertura política e a efervescência social até a liberalização econômica e estabilidade política que criamos. Mais do que apenas esses fatores, o que tivemos foi um grande encontro de duas turmas paulistanas. Era a “Galerinha de Pinheiros” encontrando a “Galerinha da Casa Verde”, usando as próprias expressões de Laerte. Mais do que um projeto claro e consolidado, eles queriam experimentar. Se dar a liberdade de fazer e testar.
Quase que um projeto de inserção de mercado, onde os quadrinistas podiam sonhar com o “Gibi Próprio”. Um gibi livre, que pudesse conter desde histórias no formato mais tradicional até colunas de comentaristas fictícios e foto-novelas que se espelhavam nas pornochanchadas. Não havia nada assim. Não há mais nada assim. Isso se perdeu e poucos saberão responder porquê.
Enquanto figurões como Luiz Gê e Laerte faziam a revista Balão na USP, Angeli já publicava na Folha de São Paulo e Toninho já desenvolvia sua carreira no mundo editorial. Mas ainda faltava espaço consolidado. Faltava estar nas bancas. Foi dessa gana que se juntaram e começaram a experimentar. O “ariete” foi a Chiclete com Banana. Encabeçada por Angeli, a revista tinha o máximo concebível de formatos e de liberdades. Lá ele pôde consolidar seus grandes personagens que já pipocavam nas tiras homônimas publicadas no jornal. Rê Bordosa, Bob Cuspe, Mara Tara, Meia Oito, Escrotinhos, Wood e Stock…
Com o fim da editora, essa gana beat acabou se fragmentando e arrefecendo. Agora, 30 anos depois, talvez ela esteja renascendo. Os curadores da Baiacu não são os responsáveis pelo conteúdo em si, mas os guardiões da produção. São 15 artistas convidados, sendo 10 deles participantes da residência artística da Casa do Sol, que irão tomar o espaço e a revista para si. Essa proposta de residência artística, mais reincidente em outros países e com outras linguagens, se concentra em oferecer um espaço físico para que um grupo de artistas possa conviver durante um determinado período, de forma que seja um incentivo para a produção, seja individual ou coletiva, e também de intercâmbio entre os artistas.
Inflando ainda mais o peixe, o Projeto Baiacu ainda inclui uma série de atividades e oficinas no SESC Ipiranga que envolverão esses artistas convidados. Para conhecer a programação e mais sobre o projeto, vale visitar o próprio site da revista, que também contará com material exclusivo produzido por esses artistas. Ou seja, a Baiacu retoma toda essa preocupação de inventividade e de criação que 30 anos atrás consolidaram os tons e as expectativas do quadrinho nacional.
Retomando as falas de Laerte durante o evento de abertura, cabe explicar também, ou mais uma vez, esse nome. Uma das questões que se tornou curiosa para eles foi de que o peixe Baiacu macho, quando quer atrair uma fêmea para o acasalamento, começa a desenhar no fundo do rio uma grande mandala. É uma dança milimetricamente pensada e lenta, mas que tem um resultado marcante e impactante. Talvez seja essa realmente a proposta final da Baiacu. O que começou com um mimeógrafo e dois amigos, talvez esteja se tornando uma grande dança de acasalamento que deixará no mercado editorial brasileiro uma nova marca.
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