Você consegue dar uma chance ao novo John Constantine?
Após as 300 edições da fase adulta de John Constantine, tivemos o fim de Hellblazer, que para muitos não existe em sua fase pós-Vertigo.
Após a fracassada tentativa de inserir o personagem no universo dos Novos 52 a DC precisava o quanto antes de uma nova revista pro mago e logo em seguida tivemos um novo reinício que dividiu os leitores e criou polêmicas que perduram até hoje, Constantine: The Hellblazer, fase lançada pela iniciativa DC You, odiada por muitos, apreciada por poucos.
Em 1988 Jamie Delano definiu quase tudo que viria a ser desenvolvido durante as 300 edições de Hellblazer (quase todas serão comentadas na nossa série de vídeos abaixo), elementos de enredo, personalidade e personagens recorrentes, toda uma mitologia. O que o autor concebeu foi e é até hoje respeitado pelos artistas recorrentes no personagem, servindo como inspiração quando se trata de Hellblazer. John Constantine é um personagem com uma base de fãs fieis e acostumados com um padrão elevado na qualidade das histórias, então não seria uma tarefa fácil para ninguém revitalizar o mago do proletariado.
Em 2015 tivemos a estreia de Constantine: The Hellblazer, série que durou 13 edições e foi massacrada por boa parte dos fãs. Inicialmente ela criou a polêmica de apresentar um Constantine bissexual, fato que assustou grande parte dos leitores que desconhecem um panorama geral da cronologia do personagem, em que foi criado um alarde desnecessário sob a sexualidade do personagem. A partir daí muitos taxaram a revista como um fracasso. As reclamações de que aquela história não se parecia com o que foi feito na Vertigo foi aumentando e consequentemente mais críticas em relação à arte, histórias, personagens, pouca violência, etc. foram aumentando. Alguém que nunca leu nada dessa fase DC You pode ficar assustado, mas será que ela não tem nada de bom? Será que é de fato ruim como relatam?
A primeira coisa que devemos pensar ao ter a revista em mãos é que ela é uma tentativa de atualização do personagem, possuindo inclusive uma classificação etária mais baixa (14 anos é a idade recomendada para começar a ler a nova revista de Constantine). Não adianta procurar ler esse quadrinho imaginando que verá uma história com o mesmo teor do que se encontrava na Vertigo. A proposta do quadrinho nunca foi essa. Vemos aqui um novo Constantine, jovem, utilizando tecnologias atuais no seu cotidiano, novas companhias, novos amigos, novos trejeitos, porém com velhos hábitos e problemas que já vimos no passado.
Apesar da diferença de público-alvo, vemos diversas semelhanças com a fase de Jamie Delano, desde os elementos da mitologia do personagem, até a composição de cores no cenário. Gary Lester, Membrana Mucosa, entre diversos outros aspectos chave na construção do universo do mago estão próximos do que já conhecemos, então quem é velho conhecido do personagem não vai sentir-se totalmente perdido. Os tons de roxo e laranja aparecem constantemente nas duas revistas. Na fase de 2015 temos uma certa modernização das técnicas de utilização dessas cores, mas mesmo assim podemos ver uma utilização de cores próximas entre as duas HQs.
Apesar da inspiração nos elementos criados por Delano, temos também aspectos próprios dessa nova fase. Diversos aspectos desse mundo são aproveitáveis, algumas cenas são bem construídas, como por exemplo a passagem de Constantine por um prédio que representa os níveis do inferno, o quadrinho te faz ter uma total visualização da representação infernal dentro de duas páginas, algo que só os quadrinhos podem fazer.
Constantine: The Hellblazer nos apresenta um Constantine jovem e atualizado, porém ainda manipulador e safado como o velho John, talvez não com a mesma malícia ou mesmo nível de malandragem, porém ainda um manipulador. O fato de Constantine utilizar raios aqui é um fator que incomoda os leitores da era Vertigo, pois JC é um filho direto de Alan Moore, o xamã das palavras com uma mitologia criada por Delano que também tem relações com ocultismo e magia. A utilização de raios que vem sendo feita por outras fases pode ser por um pedido da própria DC e ou por uma falta de interesse dos autores em entender o conceito inicial do personagem com origens ocultistas e uma magia que não é espalhafatosa, apenas malandra e tão manipulável quanto as palavras.
Apesar da fase DC You possuir defeitos e ser difícil para antigos fãs encarar uma revitalização tão bruta do personagem, ela apresenta boas ideias e uma clara inspiração e respeito pelo que foi feito nos anos 80 por Jamie Delano. A expectativa é a de que os autores saibam trabalhar dentro das limitações que o mercado está impondo sob alguns personagens. Vamos dar uma chance ao novo e buscar os melhores aspectos de qualquer história que nos apareça.
Eu sou a favor do seguinte, há no minimo 300 edições do personagem, e um “fim” para ele, isso é mais do que muitos tiveram, principalmente na Vertigo. Sandman fechou em 75, Preacher em 66, do que pode um fã do Constantine reclamar? E claro que eu detesto essa nova fase, tentei ler, mas não vai, mas uso o argumento inicial. E sendo sincero, o que destruiu mesmo o personagem, foi uma falta de rumo que ele levou após a fase do Mike Carey, que já não era essas coisas. A fase do Milligan (esse sim eu tenho raiva até hoje) era tão patética, e com uma arte que não ajudava, que eu simplesmente não aguentei mais ler. Reclamam muito da do Azzarello, mas eu li ela toda, e realmente gostei. Foi lá que foi criada pra valer essa polêmica do John ser bisexual, e até eu que não gosto dessas “mudanças”, tirei o chapéu por realmente ser algo justificado no roteiro.