No universo dos quadrinhos e no meio nerd em geral certos comportamentos abusivos têm sido expostos por meio de textos, publicações e ações de grupos femininos que buscam chamar a atenção para o fato de que as mulheres não estão mais dispostas a tolerar tais atos.
A insistência dos assediadores encontra cada vez mais a resistência organizada e expor ou não o agressor é uma questão muito delicada.
Essa é uma decisão que cabe às mulheres que são assediadas e depende também da rede de segurança que elas dispõem para que possam lidar com possíveis represálias, muitas vezes mais nocivas que o próprio assédio. Por trás de uma invasão a um inbox para pedir fotos intimas está a certeza de que esse comportamento vai do aceitável ao admirável, já que o assediador se vê como o herói da própria narrativa, acreditando que suas ações são épicas. Qualquer tentativa de dizer o contrário causa uma reação de espanto, indignação e consequente represália. Ao ser questionado o “herói” busca argumentos que defendam a sua posição, e em geral isso inclui xingamentos, perseguição e ameaças.
Nada mais clichê que o velho truque de roteiro onde os defeitos de um personagem existem apenas para ressaltar as qualidades do herói (só que nesse caso os defeitos são apenas argumentos fabricados para diminuir o outro).
Não é a experiência pessoal de uma artista ou produtora de conteúdo nerd, ou a de meia dúzia de amigas dela, mas de centenas de mulheres que participam de grupos e coletivos femininos que faz com que percebamos que não estamos sozinhas e que esse tipo de experiência é muito mais comum do que gostaríamos de admitir. Pensando nisso, um desses grupos, o Collant sem Decote, fez uma espécie de manual para ajudar os amigos a repensarem suas posturas, porque sem o comprometimento dos caras, não saímos do lugar!
Os coletivos femininos de quadrinhos têm sido fundamentais quando se trata do fortalecimento e empoderamento das artistas. No 2º encontro realizado pelo Lady’s Comics, um painel com o mapa do Brasil foi disponibilizado para que as participantes do evento indicassem os coletivos que conhecem ou que participam. Ainda que haja uma certa resistência por parte de alguns artistas mais conservadores, o fato é que grupos como o Lady’s Comics, Minas Nerds, Coletivo Mandíbula, Coletivo Dente, entre outros, têm favorecido não só que as mulheres conheçam os trabalhos de outras mulheres, mas que também se profissionalizem através dos cursos e oficinas oferecidos, se inspirem e percebam que não estão sozinhas.
Mas por que a decisão de expor um colega abusivo é tão difícil? Porque o meio dos quadrinhos ainda não é tão receptivo com as mulheres, ou seja, as represálias podem significar uma exposição ainda maior de um problema que talvez não seja resolvido. Mas, principalmente, é preciso ter em mente que o assediador da vez é também um ser humano e talvez sua atitude equivocada seja exatamente isso, um erro isolado. Todos nós somos falíveis, por isso antes de atacarmos alguém com todas as pedras nas mãos, é preciso averiguar se uma determinada atitude se repete.
Não é do interesse de ninguém que seja instaurada uma guerra dos sexos, afinal, todos perderíamos com isso. O que devemos buscar é um ambiente seguro e diverso, onde todos possam se expressar sem sofrer algum tipo de ameaça, pois quanto maior a pluralidade de discursos, mais ricas serão as produções disponíveis para o público.

Imagem da artista sul coreana Henn Kim.
O ideal é que em caso de algum tipo de problema, saibamos a quem recorrer. Os coletivos estão aí para isso. Todas as organizadoras desses grupos se disponibilizam a ouvir e acolher quem está passando por alguma situação delicada, ou seja, as mulheres que se sentem ameaçadas de alguma forma, podem recorrer a eles e manter seu nome anônimo. Os grupos coletam informações e checam se certas atitudes são ou não recorrentes para não acusar pessoas injustamente.
O posicionamento de sites voltados à cultura pop também tem ajudado muita gente a entender que esta é uma luta de todos. Todos precisamos repensar nossas posturas. Alguns mais, outros menos, mas todos crescemos em uma sociedade em que oprimir as mulheres não era visto como algo negativo. Por mais que os ânimos se exaltem algumas vezes, nenhuma boa decisão é tomada no calor das emoções, muito menos de emoções como raiva e ódio. Ou seja, é importante refletirmos sobre como podemos diminuir as atitudes misóginas em nosso meio, por isso manter o diálogo e buscar aumentar a rede de segurança por meio de associação a grupos de nossa confiança é um bom começo.
Dani Marino é colaboradora da Gibiteca Municipal de Santos e colabora com sites como o Quadro a Quadro e o Iluminerds, entre outros.
Dica da Dani – A campanha da ARTEMIS – Ataques virtuais, comentários absurdos, campanhas difamatórias #tambéméviolência. Vamos ajudar a combater todos os tipos de violência contra a mulher. Saiba como buscar ajuda ou oferecer apoio a uma mulher vítima de violência: artemis.org.br/violenciadomestica
Parabéns pela lucidez. Estamos em 2016 e na empresa onde trabalho, na área de tecnologia, ainda há homem que diminui as mulheres o quanto pode, diz que elas não são capazes, são constantemente contrariados pela realidade mas não se tocam. Na área artística, da qual já fiz parte e hoje tenho como hobby, isso ainda acontece. Mais respeito, tolerância e igualdade são o caminho.
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