AQUI ESTÁ TUDO QUE HÁ DE ERRADO COM O JORNALISMO DE QUADRINHOS – Parte 3

Enfim a parte final da tradução do artigo de Jim McLauchlin, verdadeira aula do jornalismo em quadrinhos!

Se você perdeu, essa série se iniciou aqui, continuou aqui e termina agora na terceira parte.

Lembrando: Esta não é só uma tradução do artigo de McLauchlin publicado no Newsarama, mas inclui comentários e apontamentos nossos, visando adaptar um pouco para a realidade tupiniquim.

Diz McLauchlin:

Nós premiamos as coisas erradas

Ah, o elefante na sala. E a questão que aparentemente ninguém consegue mudar.

Quanto mais as pessoas dizem que querem algo bom, algo suculento, algo bem embasado, algo com profundidade… mais elas atingem um denominador comum ainda mais baixo.

Manchetes tendenciosas dos buscadores (como a afamada manchete de esportes do Bleacher Report logo após os terremotos e tsunamis no Japão em 2011) e aquelas descaradamente “iscas de clique” que nunca entregam o que prometem infelizmente chamam nossa atenção nas páginas… e então geram as máquinas de ira.

“O modelo de cobertura online agora tem migrado para um jornalismo de ódio— procurando a história mais revoltante ou o aspecto controverso e inflando-o no máximo possível,” diz Ron Marz. “Isso tráz cliques para o seu site, o que não necessariamente se traduz como um jornalismo responsável.”

John Layman também não é muito inocente sobre os efeitos. “Eu vejo alguns pontos legítimos que surgem no meio do ódio, mas também penso que existem alguns tipos de ‘Jornalistas de Ódio’ que conseguem cliques pela coisa revoltante do dia, então eles ficam sempre atentos para a próxima,” ele diz.

Layman diz que o efeito é especialmente penoso quando bate à sua porta.

“Qualquer um pode ter um Website, e de repente, entre aspas, se tornam ‘Jornalistas Profissionais’” Ele diz. “Eles são sites bem pequenos por aí que escreveu um artigo sobre como Chew tem um ódio anti-transgênero prevalente. O autor então cita quatro exemplos, que são quase literais, quatro painéis dentro de mais de 40 edições. E eles postam algo sobre como eles estão orgulhosos por todos os cliques que estão recebendo. Eles nunca vieram a mim para uma citação. Apenas publicam algo como ‘Rob Guillory e John Layman claramente odeiam pessoas transgênero.’ Isso é irresponsável e realmente me irrita.”

Layman caracteriza “a bunda da Spider-Woman” como a última controvérsia da máquina de ódio, e novamente, a revolta que cega tudo. Quando a Marvel botou pra escanteio outros futuros trabalhos de Milo Manara, capista daquela edição, o site Vox.com atribuiu como um sinal de que “Ninguém gostou da Mulher-Aranha pornográfica”. Aparentemente os únicos que tentaram fazer a reportagem corretamente e de fato ligaram para confirmar o que estava acontecendo foi a ComicBookResources.com. Há um modo de fazer as coisas certo, e a especulação infundada não o é. [nota do editor: A Newsrama tentou contato, mas a Marvel se recusou a comentar].

A tão afamada capa...

A infame capa…

No caso brasileiro, justamente por causa da pouca produção de conteúdo jornalístico sobre o tema que existe, isso se torna ainda mais gritante. Quantas vezes os jornais bombardeiam os leitores de quadrinhos com notícias que não são tão profundas, como um beijo gay nos quadrinhos (que você já leu e achou nada demais) ou sobre uma capa mais sensual.

Fica-se repercutindo coisas que não geram frutos. Apenas factoides curiosos e/ou preconceituosos. E mais, confunde-se muito que quadrinhos sejam um produto exclusivamente americano, e assim acaba-se falando pouco ou quase nada de quadrinhos nacionais ou europeus. Por exemplo, no Brasil há uma difusão bem grande dos Mangás, mas acaba-se tratando essa fatia dos quadrinhos como outra coisa que não quadrinhos, e acabam sendo negligenciados.

Ensina McLauchlin:

Novamente, não é tão difícil assim. O talento vai te ajudar.

Retorne à parte das “fontes”. Não há dúvidas—o talento quer que as pessoas façam melhor.

“Eu não dou uma entrevista que não seja promocional já faz algum tempo.” Diz o escritor de Astro City  e Tooth and Claw Kurt Busiek. “E entrevistas promocionais são chatas. É como se estivesse co-conspirando com alguém que não tem o menor interesse em você ou no seu trabalho, e mesmo assim ele se interessa porque quer ter uma cópia da sua revista para o site e obter cliques. Eu recebo pedidos de entrevistas de alguém que eu não conheço que tem um blog em algum lugar, e sem ofensas a ninguém, mas as questões são chatas como o diabo. São as mesmas 12 perguntas de novo e de novo.”

Layman concorda. “Essas matérias de puxação de saco são só questões que enchem o saco,” ele diz. “Soa como se alguém estivesse tentando fazer um favor para o criador ao promover o livro. Eu nunca sou contra a alguém me fazer uma pergunta desafiadora, ou mesmo me provocando de frente. Uma das boas coisas de se trabalhar em um jornal era observar os grandes repórteres que podiam ser civilizados e amistosos, mas mesmo assim perguntar as perguntas mais duras. Eu aprendi um monte. E…devem haver perguntas melhores a serem feitas nesses lugares, certo?”

Os criadores enxergam alguns pontos brilhantes em meio a tudo. “Algumas pessoas fazem bem, um trabalho pensado. Mas é exceção, não a regra,” diz Ron Marz.“David Harper fez um número considerável de artigos para o Multiversity no qual é óbvio que ele colocou algum esforço e pesquisa.”

Kurt Busiek está louco por algo diferente. “Algumas semanas atrás, eu fiz um podcast com a Rachel Edidin chamado Rachel and Miles X-Plain the X-Men, e nós nos divertimos, e fomos por áreas que raramente vou,” ele diz. “Mais disso, por favor.”

Exemplos de bons jornalistas e comentaristas não faltam. Felizmente no Brasil ainda existe uma preocupação pela alta qualidade da notícia. Ainda se pensa muito se o jornalismo não é apenas informar o fato, mas opinar sobre ele e analisar os diversos fatores que o envolvem.

Uma sempre excelente dica é ler e ver o que esse caras fazem. Um espaço para aprender sobre esse jornalismo é o Observatório da Imprensa. A preocupação editorial deles é na produção da notícias e nos mecanismos da comunicação. Isso pode ajudar a observar de fato como funciona a imprensa, gerando assim boas práticas.

O Observatório se preocupa em realmente entender o que se tem feito do Jornalismo

O Observatório se preocupa em realmente entender o que se tem feito do Jornalismo.

Claro que acima de tudo é preciso ser criativo. Vejam os casos que o McLauchlin cita. Esses escritores/jornalistas tentaram fugir do senso comum. Se dispuseram a reconhecer algo novo na forma ou no conteúdo. O que nos faz admirar essa produções é a inovação. Repetir o que já existe só vale a pena se você conseguir dominar a técnica e o conteúdo de modo único e, de fato, exclusivo.

Diz McLauchlin:

O outro elefante na sala

Muito do “problema”, e vamos chamar assim, se centra na falta de profissionalismo, e usamos aqui a palavra “profissionalismo” no seu senso mais estrito de “ser pago”. Apenas não tem muito dinheiro nessa área.

A maioria dos sites de quadrinhos e revistas especializadas pagam apenas valores baixos, quando pagam. É um número difícil de precisar, mas o número total de pessoas que ganham a vida cobrindo sobre quadrinhos (e eu não estou me contando nesse número) é de cerca de 10 ou 12. Mesmo algo badalado como o Los Angeles Times’ Hero Complex tem um time de apenas 3-4 pessoas, mas eles cobrem um amplo espectro de materiais, 80% dele são filmes e TV.

“As pessoas costumavam pagar por revistas, o que significava que as revistas podiam pagar por artigos e por editores e daí por diante. Quando você paga alguém, você tem uma chance maior de ter um trabalho de qualidade,” diz Kurt Busiek. “Antes, para alguém ser repórter, era necessário ter um emprego e ter um chefe para quem se reportar. Agora, para ser um repórter, basta ter um celular que grava.”

O modelo “gratuito” é bom para os consumidores, mas esses consumidores estão sendo de fato bem servidos?

“Um baixo limite para a entrada de alguém em uma área pode não ser algo bom, ou mesmo uma coisa ruim. Nos quadrinhos, se não houvesse um baixe limite de entrada, nós nunca teríamos tido ‘Bone’,” diz Busiek. “A baixa resistência de entrada pode fazer com que os intermediadores dessa entrada estejam mais próximos das pessoas, e se você tiver algo bom, pode se tornar um sucesso. Mas isso não é um bom caminho de encontrar pessoas que fazem as coisas bem e recompensá-las. E as pessoas que fazem algo bom, raramente são recompensadas apropriadamente.”

Na década de 90, o Brasil tinha algumas revistas que comentavam sobre quadrinhos. Mas elas foram progressivamente minguando e hoje praticamente sumiram. Seja porque passou-se a ter uma defasagem menor entre o que é lançado fora e aqui, seja pela facilitação do acesso ao que se tem lá fora. Enfim, jornalismo profissional de quadrinhos, que não seja pago por um site ou portal especializado, se tornou algo bem raro aqui também.

A última edição Brasileira com o nome original de uma das revistas de Jornalismo de Quadrinhos

A última edição brasileira com o nome original de uma das revistas de Jornalismo de Quadrinhos

Mesmo os blogs, jornais, revistas e portais minimamente profissionalizados passaram a se preocupar cada vez mais com dar notícias, repetindo o que sai no exterior, do que de fato analisar e divulgar notícias inéditas. É lamentável pensar que o mercado nacional seja refém de uma indústria estrangeira. Por mais que se fale de quadrinho nacional, o leitor ainda tem muito preconceito com a produção brasileira.

Então, qual a resposta?

Parte dessa resposta é que os jornalistas de quadrinhos, num todo, têm que se aprimorar. Isso já resolve muito. O outro lado da equação são… os leitores.

Um bom pagamento por desempenho é ótimo, mas “pagamento” no sentido de ganhar dinheiro num tempo em que as pessoas querem/exigem/conseguem suas informações de graça é um gênio que nunca vai voltar para garrafa.

Mas se tem algo que os jornalistas contemporâneos nos mostram, é que “pagamento” não quer dizer necessariamente dinheiro, pelo menos no sentido mais direto. “Pagamento”, hoje em dia, tem mais a ver com page views e esse estranho mercado de “compartilhadas”.

É falado que que as pessoas não têm o governo que elas querem, mas sim o que elas merecem, baseado nas ações e interações sociais. O mesmo se aplica aqui. Um passo que pode ajudar a virar a mesa é dos consumidores de jornalismo de quadrinhos passarem a rejeitar as iscas de cliques e blogs sem aprofundamento e ler, clicar e compartilhar as coisas boas. Ações e interações.

Isso é tudo. Agora, quem quer começar?

Este blog tenta ser um tipo de resposta. Longe de ser a única, ou mesmo se entender como a melhor. A razão de ser deste espaço veio justamente da inquietação causada por uma escassez de uma produção menos noticiosa e mais analítica. Se atinge 100% do objetivo é muito difícil de afirmar. A tentativa é constantemente reafirmada e repensada e praticada.

Todo mundo precisa de um John Jonah Jameson para nos ajudar no que escrever... Se bem que ele é bem sensacionalista...

Todo mundo precisa de um John Jonah Jameson para nos ajudar no que escrever… Se bem que ele é bem sensacionalista…

Leitor, espaço para que você pratique sempre existe! Pode-se criar um blog. Pode começar ao mandar um e-mail para os próprios amigos. Aqui mesmo existe essa oportunidade! Basta nos contactar através do contato@quadrinheiros.com que a gente acerta quando publicar seu texto! E ainda damos uma forcinha com um bate papo sobre o processo de escrita.

Queremos mais é que esse debate dê mais e mais frutos. Que a cada dia tenhamos mais gente produzindo coisa boa. Até mesmo por que isso nos dá força para trabalhar para um público sempre mais exigente.

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