

Derrotas são desagradáveis. Algumas são até fáceis de engolir, principalmente quando a esportividade é mais importante do que o placar. Outras são arrasadoras, destruidoras, nos forçam a escolher entre enfiar a cabeça num buraco, procurar quem possa levar a culpa ou admitir uma dura verdade sobre nossas limitações. Pensei em escrever isto logo após o famoso 7×1 do Mineirão. As circunstâncias (o rodízio de escritores do
blog, na verdade) me deram o tempo que eu precisava para pensar melhor no tema. (Mas não fiz isso e, portanto, este é mais um
post meia-boca que escrevo).

Entre todas as coisas sem importância, futebol e quadrinhos são as coisas mais importantes para mim. (Sério, eu nem sei qual das duas vem primeiro. Suspeito que seja o futebol). Além de toda a diversão, da distração, volta-e-meia me pego pensando em como a vida pode ser entendida com mais clareza quando comparada a um gibi ou a uma partida. O gibi e o futebol, porém, têm uma grande vantagem sobre a vida: a derrota nunca é definitiva. Sempre haverá um outro jogo, um outro campeonato e o herói pode sofrer muito, pode até morrer, mas sempre vai vencer no final.

Penso que Planetary é um bom quadrinho para se ler agora que tentamos entender o que acontece com o futebol brasileiro. (Planetary é um bom quadrinho para se ler por si só, mas eu precisava de um tema para escrever. Então, deixa eu ser feliz em acreditar que tive uma idéia muito inteligente e que ninguém mais teve). (Ah! Talvez seja bom eu avisar que os parágrafos a seguir contêm spoilers).

Somos apresentados a
Elijah Snow quando ele é recrutado pelo
Planetary, uma organização científica privada especializada em fenômenos inexplicáveis. O subtítulo da série, “os arqueólogos do impossível”, traduz muito bem o que parece ser o tema principal. Sobre
Snow, sabemos apenas que tem poderes congelantes e que é muito mais velho do que aparenta. Ao longo da série, vemos como Snow e seus companheiros percorrem o mundo encontrando pessoas e enfrentando situações que são grandes homenagens às várias fases dos quadrinhos e da cultura heróica
pop. Basicamente, a função do
Planetary é resgatar um conhecimento perdido sobre eventos e pessoas que mudariam radicalmente o mundo se fossem amplamente divulgados.

Em dado momento da série, percebemos que todo esse conhecimento não foi realmente perdido, mas escondido por quem tem intenção de se beneficiar sozinho dele. Não só isso,
Snow era a verdadeira inspiração do
Planetary e tinha aceitado ser colocado no ostracismo (após lavagem cerebral) para que sua organização não fosse destruída e pudesse continuar cumprindo seu papel, ainda que não de maneira plena. Quando o
Planetary perde um de seus operativos e se torna impotente,
Snow é chamado de volta e só aos poucos recupera parte da memória.
Reunindo todo o conhecimento que ele já havia coletado e esquecido com o novo conhecimento compilado durante sua ausência e logo após o retorno, Snow elimina seus inimigos um a um, até finalmente dar um ultimato ao que parecia ser uma força invencível e colocar o Planetary como uma marca indelével na história.

Assim como Elijah Snow é a alma do Planetary, o futebol brasileiro também tem uma essência: o jogo bonito. Foi ele quem tornou o nosso futebol tão amado e temido no mundo inteiro. Em algum momento, em nome do resultado, o jogo bonito perdeu espaço em nosso futebol e só de vez em quando fez algumas aparições. Ainda assim, o futebol brasileiro continuou alcançando algum sucesso e, principalmente, gerando ganhos imensos a quem (não tão) por baixo dos panos se beneficia da pauperização econômica e técnica do esporte. Quando sumiu de vez, muita gente até acreditou que o futebol brasileiro poderia sobreviver sem sua essência. Até que veio o Mineiraço.
Por enquanto, a trajetória do futebol brasileiro combina com a do Planetary. Resta saber se, assim como Elijah Snow uniu o conhecimento antigo e novo para se afirmar novamente diante do mundo, o futebol brasileiro será capaz de resgatar o jogo bonito e somá-lo a tudo o que a ciência esportiva e a evolução tática do esporte produziram nas últimas décadas. Infelizmente, duvido muito que os cartolas da CBF leiam gibis.

E ainda temos que agüentar isso…
Curtir isso:
Curtir Carregando...
Sobre Quotista
Filipe Makoto Yamakami é historiador, professor, músico amador, twitólatra, monicólatra, etc.
E realmente precisa de um emprego que lhe permita pagar as contas.
@makotoyamakami