Ad hominem nerdus: Nerds são hipsters?

Tenho deparado com cada vez mais frequência a seguinte frase: “nerds são hipsters” e isso me intrigou.  Os contextos eram parecidos: alguém fez um comentário sobre determinado filme, série, quadrinho etc. Em seguida foi confrontado ou mesmo corrigido por um suposto nerd que seria, também, hipster.

Creio que nerd todo mundo saiba mais ou menos o que é. Se não, fiz uma breve pesquisa sobre o significado do termo e pareceu interessante. A definição mais tradicional que encontrei foi:

“Nerd é uma pessoa tipicamente descrita como intelectualizada, obsessiva ou com problemas sociais, podendo passar muito tempo em atividades que não são consideradas populares, como assuntos altamente técnicos (computadores, por exemplo) ou assuntos relacionados à ficção científica e fantasia. Dentre essas atividades podemos destacar atividades acadêmicas, intelectuais, hobbies considerados infantis como quadrinhos, cards, bonecos (action figures, se você ficou ofendido), vídeo-games, colecionismo ou mesmo um conhecimento muito aprofundado sobre um tópico altamente popular”.

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Mas adivinhem o que aconteceu? Os passatempos que antes eram o nicho dos nerds, quadrinhos, séries, super-heróis, velhos passaportes do ostracismo social, agora SÃO populares e isso mudou como os nerds encaram a si mesmos e como outras pessoas veem os nerds. O termo deixou de ser uma ofensa. As pessoas passaram a reclamar o título de nerd  para si. Mais que ser nerd, passaram a ostentar o título!

Quando isso aconteceu? A data da virada é imprecisa. Nos anos 80 e 90 havia uma série de filmes chamados A Vingança dos Nerds que, repetidos à exaustão na Sessão da Tarde, popularizou o termo no Brasil.

Mesmo com nerds protagonistas acho difícil aceitar que o grande público tenha se identificado com o termo a partir dali. Talvez filmes como O Senhor dos Anéis e Harry Potter, bem como o sucesso de filmes de super-heróis tenham contribuído mais ainda para o fato, juntamente com o alucinante acesso à informação e conteúdo proporcionado pela internet.

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O sucesso do seriado The Big Bang Theory vem comprovar de vez que os nerds estão na ordem do dia, o que significa uma coisa: passamos de um mercado de nicho para um mercado mais amplo, o chamado “grande público”. Há um “mercado nerd” que passa a ser explorado cada vez mais no Brasil e no mundo.

Mas há quem ache que o termo nerd é carregado de conotações negativas. Esses preferem o termo geek. Novamente uma pesquisa sobre o termo revelou que geek é “uma pessoa estranha sendo especializada ou entusiasta em determinado assunto ou hobby”, sem tantas implicações pejorativas.

Na verdade o termo geek então passou a designar o que é uma parte do que podemos chamar de “conceito de nerd”: o nerd, além de ter hobbies impopulares (agora populares) também é intelectualizado e tem problemas sociais, o que não acontece com o geek. (Para deixar bem claro: não estou discutindo se isso de fato procede, mas analisando do ponto de vista do conceito, construindo quase um “tipo ideal weberiano” – pegue seu caderno de Sociologia I). Veja a quantidade de lugares para nerds com geek no nome e você vai entender o que eu estou tentando colocar aqui.

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O raciocínio básico é o seguinte: as “coisas de nerd” se tornaram populares e alvos de interesse de um público mais amplo, o que levou ao nerd ser considerado diversas vezes como hipster. Mas o que é um hipster?

Diferentemente do termo nerd ou geek, a conotação de hipster parece estar um pouco mais longe do sentido onde o termo foi forjado, onde aliás todos esses termos foram forjados: Estados Unidos. Aqui o termo é usado quando alguém mostra desdém por algo que se tornou popular, perdeu interesse em determinado assunto por ter se tornado popular ou mostra conhecimento aprofundado sobre determinado assunto popular e ofende seu interlocutor.

(Exemplo: você faz um inocente comentário sobre Game of Thrones e um nerd/hipster te cita a genealogia inteira dos Stark de acordo com os livros e prova por a A + B que você está errrado)

Mas a origem do termo é bem diferente. Nos anos 40 os hipsters eram os jovens brancos estadunidenses que aderiram ao estilo de vida dos músicos de jazz (em sua maioria negros), o que era um tipo de rebeldia comportamental.

Nos anos 90 e 2000 o termo reapareceu significando grupos de jovens com interesses e comportamentos fora do mainstream, seja no gosto musical, no modo de se vestir, nos hobbies ou no estilo de vida. Esse último significado se aproxima do modo como a palavra é usada por aqui, especialmente quando a pessoa que adotou esse gosto alternativo julga as outras com ares de superioridade.

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Nerds à esquerda, hipsters à direita.

Mas e daí? Daí que nerd, geek e hipster são rótulos, são mecanismos de produção de identidade, provocam uma separação e uma classificação: nós e eles. Quando você diz “eu sou nerd” ou “ele é nerd” está se identificando com um determinado grupo e separando-se de outros, o mesmo acontece quando alguém diz “isso é coisa de hipster”. Seja com conotações positivas ou negativas.

Quando alguém diz que você é nerd ou hipster num tom negativo em uma conversa ou discussão (como na frase que iniciou esse texto) está fazendo o famoso ad hominem: quando não há meios de refutar o argumento, ataca-se a pessoa. Desculpe o grande público, mas nós estávamos aqui primeiro e sim, conhecemos muito mais sobre esses assuntos do que a maioria. Deal with it.

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Sobre Nerdbully

AKA Bruno Andreotti; Historiador e Mestre do Zen Nerdismo
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5 respostas para Ad hominem nerdus: Nerds são hipsters?

  1. Petrus disse:

    Discordo bastante do texto (fora a parte que se explica o que é o que, porque discordar disso seria meio babaca), mas concordo com o final, em que se define tudo como rótulo. Sou contra essas separações sociais, e acho que rótulos tanto como medalhas tanto como cicatrizes estão errados.

  2. Daniel Betts disse:

    Para mim, a mudança, pelo menos no Brasil, começou com o seriado Smallville. Vi várias pessoas dos nichos “não-nerds” curtindo a série.

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