Quando eu tinha uns 8 anos os batentes das portas eram meu universo paralelo. Eu podia escalá-los com meus pés descalsos e assim exibir a habilidade de me grudar nas paredes. Logo depois disso os muros e lajes da casa eram esse território expandido de aventuras heróicas e eventuais hematomas.
Comecei a ler quadrinhos de super heróis na pré adolescencia. Quando se apresentaram os X-Men a quantidade de super poderes que eu ainda não havia imaginado era hipnótica. Raios pelos olhos, garras retráteis, força e velocidade, intangibilidade, magnetismo e poder mental. Na fantasia infantil eu corria muito rápido (ainda acho que consigo), derrubava paredes e movia objetos com o pensamento (aliás, tentei isso dedicadamente por alguns anos…hahahahaha).
Mas voar sempre foi a mais cobiçada das habilidades. Pelo menos até eu assistir a um seriado de tv canadense chamado Herói por Acaso (My Secret Identity), onde o herói adelescente levitava e tinha que usar uns sprays pra poder sair do lugar, como qualquer veiculo da NASA em gravidade zero. Isso inviabilizava um pouco a coisa. Eu pensava nas implicações fisicas desse ou daquele super poder e tentava imaginar como seria de verdade.
No final da década de 80, um personagem dos Novos Mutantes mudou minha perspectiva sobre super habilidades. Cifra (Doug Ramsey) podia compreender qualquer linguagem após ser exposto a ela minimamente. Essa sim era uma capacidade invejável! Algo fisicamente possível, aparentemente simples, prático, estratégico. Nas histórias Cifra é um elemento chave para a solução dos problemas porque sua habilidade pode destravar portas ou estabelecer comunicação com aliens, interpretar símbolos e buscar padrões onde quer que seja.
Infelizmente a lógica das histórias de super heróis é o confronto físico, e a falta de uma habilidade de combate levou o personagem a morte quando defendia a vida de uma colega de equipe. A identificação que tive com o Cifra foi total. Alguém que não tinha força física nem disposição para o confronto, mas que fazia um trabalho invisível e fundamental para a equipe, e ainda teve a hombridade de dar a vida por outra pessoa.
O personagem voltou depois quando o alienígena Warlock se amalgamou com o DNA do corpo de Doug, usando a aparência e as habilidade de Cifra, mas com a capacidade tecnorgânica de mudar de forma (eu sei, vai entender….). Já não era a mesma coisa. O apelo original já não estava lá.
Ainda numa última história paralela da Marvel, o clássico What If?, se os X-Men tivessem ficado em Asgard, Doug passa a estudar textos esquecidos dos deuses nórdicos escritos em línguas que não mais existiam. Ganha o respeito da comunidade acadêmica e posteriormente leva Asgard a um novo renascimento cultural usando esse conhecimento ancestral para redesenhar o futuro. Isso é o que eu chamo de super poder!
É muito distinta a maneira como determinadas histórias e personagens podem ressoar em nós, mas é certo que, de uma forma ou de outra sempre somos afetados. Por tudo isso eu sempre recomendo três coisas – pais deixem que seus filhos leiam tudo que quiserem, principalmente se for complexo demais pra idade deles, deixem que assistam aos desenhos animados e seriados mais toscos e sem nexo, e o mais importante de tudo, deixem que escalem batentes de porta.