A série mais recente do Motoqueiro Fantasma é uma ode aos subgêneros do terror e ao descontrole que se esconde por baixo de um verniz de civilização.
Johnny Blaze e o Motoqueiro Fantasma (Ghost Rider) estrearam em Marvel Spotlight #5 em 1972, criados por Roy Thomas, Gary Friedrich e Mike Ploog, e sobreviveram por meio século apesar dos muitos cancelamentos e hiatos nas publicações. Antes disso o nome Ghost Rider pertencia a outro personagem, criado em 1967 por Dick Ayers, Gary Friedrich e Roy Thomas, mas que foi rebatizado para Phantom Rider após a aparição de Jonnhy Blaze.
Além de Blaze, o Espírito da Vingança se manifestou em personagens como Danny Ketch (nos anos 1990), Alejandra Jones (em 2011), Robbie Reyes (a partir de 2014), entre outros. Mesmo compartilhando a maldição com essas pessoas, Blaze continuou ativo como personagem, fazendo as vezes de caçador de demônios, mentor, protetor e carrasco dos novos Motoqueiros Fantasma. Sempre obcecado por destruir Mephisto, com quem ele fez o pacto que deu origem à sua sina, Blaze nunca deixou de manifestar ele mesmo o Espírito da Vingança. A última série, publicada em 2019 nos EUA, que mostrava Johnny Blaze e Dany Ketch trabalhando juntos para impedir que os demônios escapassem do inferno foi canceleada após somente 7 edições.
Agora a Marvel aposta no horror corporal e em outros subgêneros do terror para revitalizar seu personagem. Benjamin Percy, roteirista de Wolverine e X-Force, assumiu em 2022 o título do Espírito da Vingança inspirado no Hulk Imortal, de Al Ewing, e no filme Veludo Azul, de David Lynch. A história mostra o retorno de Johnny Blaze, sem lembranças do seu passado demoníaco, vivendo uma vida pacata com esposa e filhos, e trabalhando com seu pai adotivo, tal qual a história original do personagem antes dele se tornar o Espírito da Vingança. Mas ele não consegue dormir, torturado por pesadelos e pela desconfortavel presença de uma cicatriz na cabeça, resultado de um acidente de moto. O título comemora os 50 anos do personagem, completos em 2020, e deve chegar aqui no Brasil ainda esse ano.
Embora tortura, mutilação e sadismo não sejam uma novidade, costumavam aparecer mais em histórias com uma classificação etária restrita. Hoje, vários títulos da editora tem apelado com frequência para subgêneros de terror, especialmente o horror corporal (body horror), para falar, por exemplo, das consequências trágicas dos superpoderes. O caso mais emblemático da editora nos últimos anos é o Hulk Imortal, que usa as deformações físicas e o descontrole em relação ao próprio corpo como uma metáfora para a batalha emocional interna alimentada pelos traumas do personagem. Outro exemplo é a Quarteto Fasntástico: viagem em família, que mostra os corpos dos personagens se autossabotando em função de seus próprios traços de personalidade. Mais recentemente essa tendência chegou a Marvel dos cinemas, com os grotescos experimentos do Alto Evolucionário em Guardiões das Galáxia vol 3.
Isso pode ser uma resposta a produções que disputam a atenção do mesmo público como Chainsaw Man e Jujutsu Kaisen, cujos cenários têm o terror corporal como norma, com seus personagens perdendo o controle de seus corpos de maneira recorrente. Também dialoga com o sucesso de outras mídias como a série Americam Horror Story e os filmes da série Jogos Mortais e mais recentemente a trilogia X (Pearl, X – A Marca da Morte e MaXXXine). É possível também atribuir o interesse crescente por esse gênero ao colapso climático global e à pandemia de coronavírus, já que o descontrole sobre nossos próprios corpos e sobre o o futuro do clima tem nos afetado psicologicamente.

Ao longo novo arco do Motoqueiro Fantasma o roteirita Benjamin Percy joga com referências e clichês do gênero de terror, como no caso de uma personagem (a ex-agente do FBI – Talia Warroad), que evoca o filme Os Pássaros, de Alfred Hitchcock, ou o tropo do motel ou do circo como palco para tortura e mortes sacrificiais (Hell Hotel e Circus of Fear), Nessa nova fase, Johnny Blaze revive seu trauma original, passa por um exorcismo (com a participação do Wolverine) que altera sua relação com o Espírito da Vingança, e reencontra seu antigo parceiro, Danny Ketch, agora na posição de antagonista. A arte da série é assinada por Cory Smith (Conan e Guardiões das Galaxias), e as capas (incríveis) pelo ilustrador alemão Björn Barends. Vamos torcer para que o título tenha sucesso e escape do cancelamento!
