Dois mestres por Shotaro Ishinomori

hokusai-musashi

Dois heróis da história do Japão cujas vidas são permeadas de lendas, o mestre da espada Miyamoto Musashi e o mestre dos pincéis Katsushika Hokusai, pelas mãos do mangaká Shotaro Ishinomori.

Publicadas pela editora Pipoca & Nanquim, Miyamoto Musashi Hokusai são obras que nos permitem conhecer dois seres excepcionais em seus campos de atuação por outro, Shotaro Ishinomori.

Assim como Shotaro Ishinomori, Musashi e Hokusai começaram cedo. O samurai matou seu primeiro adversário aos 16 anos. O gravurista começou a trabalhar como aprendiz de xilógrafo aos 15 anos. Por volta dos 50 anos, tanto Musashi quanto Hokusai chegaram a pontos fundamentais de suas vidas – o primeiro ao consolidar seu estilo e começar a escrever sua filosofia marcial, e o segundo com a publicação de Hokusai Mangá (ou Esboços de Hokusai). 

O Livro dos Cinco Anéis, escrito por Musashi, atravessou o tempo e hoje é visto como um guia de estratégia para profissionais de diferentes áreas, além do impacto que teve no desenvolvimento das artes marciais. Já a publicação de Hokusai, junto com as 36 Vistas do Monte Fuji (que ele publicou quando tinha por volta de 70 anos), foi de fundamental importância para a arte européia do final do século XIX, com seus temas, cores e atmosfera influenciando artistas como Monet, Van Gogh, Degas, Gauguin, Toulouse-Lautréc e  Baudelaire, entre muitos outros.

Musashi

O espírito indomável de Miyamoto Musashi

Shotaro Ishinomori foi um discípulo prodígio de Ozamu Tezuka. Aos 16 anos publicou seu primeiro trabalho e aos 18 se mudou para Tóquio (para o lendário prédio de apartamentos Tokiwa-sō, em Toshima, onde moravam muitos mangakás de grande talento). Ao longo de quase 60 anos de vida (morreu doente aos 59 anos), ajudou a desenvolver o gênero Tokusatsu a partir de uma de suas maiores criações, Kamen Rider, e posteriormente em séries como Inuzaman, Android Kikaider, Robotto Keiji, entre muitas outras para a Toei Animation. Criou a primeira equipe de Super Sentai Himitsu Sentai Gorenger. Publicou sua versão para a história de Miyamoto Musashi quando tinha 33 anos (1971), e aos 49 anos (1987) visitou a vida de Katsushika Hokusai.

A história romanceada que consolidou a narrativa da vida de Miyamoto Musashi foi publicada em capítulos entre 1935 e 1939 no jornal japonês Asahi Shimbun. Transfomada numa série de livros, é até hoje o maior fenomeno editorial do Japão. Foi traduzida para o inglês na década de 1980, e publicada nos EUA de forma serializada, se tornando um best seller mundial. O autor dessa novela, Eiji Yoshikawa, se baseou nos escritos do próprio Musashi e nas histórias populares que contavam as façanhas do guerreiro para compor a narrativa, introduzindo alguns elementos ficcicionais. Na esteira do sucesso dos livros no ocidente, em 1998 o mangaká Takehiko Inoue lançou a série Vagabond, baseada na novela de Eiji Yoshikawa. O mangá de Shotaro Ishinomori é de 1971, antes portanto da história de Musashi ganhar o mundo.

A diferença essencial entre o Musashi de Shotaro Ishinomori e o de Takehiko Inoue (Vagabond), é o tom. Na versão de 1971 o personagem é visto como um herói obstinado que carrega a angústia de ver o sofrimento de Otsu (personagem que é apaixonada por ele desde a adolescência, e que foi uma criação de Eiji Yoshikawa) por quase toda a vida. Já em Vagabond, o personagem é mais um anti-herói que subverte as regras do heroísmo de seu tempo. Para Ishinomori, Musashi é o ápice do bushido (caminho do guerriero), como se tudo que veio antes fosse uma ascensão até chegar ao topo. Para Inoue, Musashi é uma ruptura que nega e destrói o que veio antes. As duas visões são complementares, mas se explicam em parte pelo tempo histórico em que as narrativas foram produzidas – o Japão de 1971, ainda fechado ao ocidente, e o Japão de 1998, muito mais aberto, com suas contradições expostas.

Hokusai

Tudo em nome da arte de Katsushika Hokusai

Entre Musashi e Hokusai, a abordagem de Shotaro Ishinomori é bastante diferente. Assim como os personagens dessas histórias, o mangaká parece ter atingido uma complexidade narrativa aos 50 anos que o levou a explorar as contradições da personalidade de Hokusai na biografia que ele produziu. O autor opta por uma história cronologicamente não linear, diferente do que fez em Musashi. Outro contraste entre as duas obras é a vida sexual inexistente (monástica) do samurai em comparação com a longeva e frenética vida sexual do gravurista. É preciso considerar que os registros históricos da vida de Hokusai são escassos, por isso Ishinomori teve maior liberdade para expressar sua visão sobre o artista. Por outro lado existe uma aura de reverência em relação a Musashi que engessa o roteiro, reverência essa que não existe em relação a Hokusai, mas sim em relação à arte de Hokusai, criando um contraponto que enriquece o mangá.

As vidas e as obras de Ishinomori, Musashi e Hokusai são um testemunho da busca pela excelência em expressar suas ideias. Estão profundamente enraizadas na cultura japonesa, mas transcendem fronteiras e se fazem universais, atravessando o tempo e influenciando novas gerações de criadores. Ao escolher biografar Musashi e Hokusai, Shotaro Ishinomori nos revela quem é e quem almeja ser. Para nós leitores essa intersecção é um deleite.

Musashi e Hosukai 01

O momento mais sublime de Musashi (esq.) e Hokusai (dir.)

Sobre Picareta Psíquico

Uma ideia na cabeça e uma história em quadrinhos na mão.
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Uma resposta para Dois mestres por Shotaro Ishinomori

  1. Cláudia Cristiane disse:

    Obrigada por trazer ricas informações para nós, seu trabalho é muito importante.

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