Lookism: pode uma animação nos salvar do bullying?

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Série sul-coreana de animação Lookism denuncia bullying.

Por Maurício de Paula Kanno*

A série coreana Lookism na Netflix gera um estranhamento já no próprio título, não traduzido ao português. Ao longo da animação, pode-se compreender o neologismo (invenção de palavra), como um preconceito baseado na aparência – pois “look” se refere ao olhar ou à aparência de alguém, em inglês. No caso, o protagonista é atacado violentamente principalmente por ser gordo, baixo e considerado feio de rosto. A pobreza visível também é secundariamente usada como chacota.

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Seria possível comparar com termos correlatos, porém bem difundidos, como “racismo” ou “machismo”, por exemplo, que também terminam com “ismo”, um sufixo (termo finalizador de palavras) no português bem semelhante ao inglês “ism”.

O tema central da série, bullying escolar, é grave e afeta e afetou jovens de várias gerações. O artigo “Vítimas de bullying, sintomas depressivos, ansiedade, estresse e ideação suicida entre adolescentes” (2020: Pimentel, Méa e Patias) é um dos recentes trabalhos acadêmicos que demonstra esses impactos, com a análise de 117 adolescentes, dos quais 48,71% apresentou ideação suicida.

O assunto também parece ser de interesse especial para entusiastas de quadrinhos, frequentemente associados a gente meio deslocada e excluída dos padrões comuns da sociedade; ainda que esse universo tenha se popularizado muito nas últimas décadas.

Um dos maiores ícones dos quadrinhos mesmo, Peter Parker (O Homem-Aranha), buscou personificar essa identificação de tantos jovens com dificuldades sociais na escola. A diferença quanto a Lookism é que Parker é magrelo de óculos, já o protagonista da série coreana, Park Hyung Seok  é gordo e baixinho; também de óculos e sem força física.

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Poderíamos imaginar inclusive que Lookism é uma série corajosa por ter um protagonista considerado de aparência desagradável. Já que se costuma selecionar atores e atrizes com as aparências mais belas possíveis para chamar a atenção do público, ou desenhá-los seguindo esses ideais em quadrinhos e animações.

Talvez O Corcunda de Notre Dame e o Monstro de Frankenstein estejam entre as poucas histórias com protagonistas considerados de aparência desagradável. Mesmo no universo dos quadrinhos dos mutantes X-Men, até havia os desfigurados Morlock; mas estes eram bem secundários.

Mas, assim como Peter Parker se transforma no fortíssimo e ágil Homem-Aranha, que se dedica a combater criminosos e fotografa a si mesmo, Park Seok ganha repentinamente um alter-ego alto, atlético e considerado belo, que ganha todas as atenções dos colegas de escola. A cada vez que vai dormir, o protagonista feio acorda magicamente no corpo de sua versão bonita. E, na medida do possível, busca ajudar outros colegas desprezados e atacados pelos valentões.

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Bullying

Sobre o tema do bullying escolar, este autor, enquanto aluno especial de disciplina da pós-graduação de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), realizou em 2022 um breve levantamento motivado pelo III Congresso Online Internacional Novas Abordagens em Saúde Mental Infantojuvenil, organizado pelo CENAT (Centro Educacional Novas Abordagens Terapêuticas).

Foram obtidas 16 respostas em formulário Google Forms. Pouco mais da metade, 56%, declararam ter sido vítimas de bullying; 31% se identificaram como pai, mãe ou responsáveis de vítima; e 25% como profissionais de educação.

De modo bastante coincidente com o título da série aqui analisada, os respondentes indicaram que a aparência ou forma física seria o principal critério para que o jovem seja vítima de bullying: 81% dos entrevistados escolheram essa opção. Outros critérios apontados foram: ser “diferente da maioria” (50%), gagueira ou outra dificuldade fonoaudiológica (43,8%); ou algum tipo de deficiência (43,8%).

Já quanto ao perfil principal notado nos agressores de bullying, os respondentes da pesquisa indicaram principalmente: ser popular na escola (31%), habilidoso socialmente (25%), padrão estético apreciado na sociedade (25%) e família de alto poder aquisitivo/rica (25%). Todos esses aspectos se conferem também na animação coreana, vinculando-se também à força física, ser bom de briga, estilo de vestuário, especialmente com peças caras; e ao sucesso musical no rap.

A responsabilidade da instituição escolar foi apontada como total (25%), muita (31%) ou média (18,8% das respostas). Mas não se nota na série coreana nenhuma intervenção dos professores ou outros funcionários da equipe escolar.

Os respondentes indicaram que os pais ou responsáveis do agressor teriam responsabilidade total (18,8%), muita (43,8%), média (12,5%) ou pequena (12,5%). Porém, também não se percebe a presença desses familiares na história. Essa profundidade parece ter faltado na narrativa.

Já se notou, por outro lado, a presença de pais ou responsáveis das vítimas de bullying em Lookism. Tanto do protagonista, como de um colega também gordo e baixo que ele passou a ajudar por meio de seu alter-ego atraente. Ambas as responsáveis eram mulheres idosas solitárias, pobres, gentis e tranquilas. Na pesquisa, os respondentes indicaram que a responsabilidade deles era total (18,8%), muita (18,8%), média (6,3%), pequena (6,3%) ou nenhuma (6,3%).

 Conclusões

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Em um mundo farto de animes e doramas, é interessante ter acesso a uma animação coreana com uma proposta de tema forte e diferenciado. Fora tanto dos padrões de aventuras heroicas com batalhas superpoderosas dos animes, como dos românticos melosos doramas coreanos.

Até o fim, porém a situação de intenso e violento preconceito visual é reafirmada. O protagonista segue excluído em sua forma original, só tendo sucesso social em seu alter-ego mágico atraente. Verifica-se a necessidade constante de os excluídos terem o apoio dos fortes, atraentes e populares alunos, mas também compassivos, como o protagonista Park em sua forma atlética; e um secundário extremamente forte chamado Basco.

Mesmo quando o protagonista em seu alter-ego atraente oferece apoio a um outro colega excluído por ser baixinho e gordo, este segue periférico na apresentação musical que realizam por exemplo, algo importante principalmente para o colega excluído.

A obra cumpre seu papel de denúncia e reflexão, mas que poderia ter sido melhor aprofundada se também focalizasse a relação dos agressores com seus familiares e a equipe escolar, por exemplo.

Em memória de meu ex-aluno Joaquim José Carvalho, que faleceu por complicações pulmonares ano passado, meses após ter corajosamente colaborado com minha pesquisa sobre bullying; segundo sua mãe, teve “criatividade na forma em que deu ‘a volta por cima’, tornando-se um jovem integrado, afetuoso e criativo”.

* Maurício de Paula Kanno é graduado em Jornalismo e mestre em Estética e História da Arte pela Universidade de São Paulo, com pesquisas sobre quadrinhos no TCC e na dissertação de mestrado. Atualmente professor de japonês, com o canal @japonescriativo ; e pesquisador sobre saúde emocional, com o canal @xodepreboravive

Referência:

PIMENTEL, MÉA, PATIAS. Vítimas de bullying, sintomas depressivos, ansiedade, estresse e ideação suicida em adolescentes. Acta Colombiana de Psicologia. vol.23, n. 2, Bogotá, Jul/Dec. 2020. (Pesquisadoras do IMED, Passo Fundo; e Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria; ambas do Rio Grande do Sul, Brasil) Disponível aqui.

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Uma resposta para Lookism: pode uma animação nos salvar do bullying?

  1. Bellion disse:

    Só queria informar que só a primeira primeira até uns meados da segunda temporada de lookism se não me engano, tem o tema bullying, mas a série não e ficada nisso, ela tá mais para uma série de gangs, luta, artes marciais, violência, e outras coisas.

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