“Malditos *&#$&*%*@stas!” – O paradoxo apolítico de Top Gun: Maverick

Uma resenha tardia pra ler no banquinho, sala de espera ou engarrafamento. 

Antes de começar, vale rever o trailer: 

Lá no começo de 2020, quando fazíamos listinhas de filmes para ver no cinema antes da pandemia, Top Gun: Maverick estava entre os mais esperados. Dois anos depois, lançado em 26 de maio, dirigido por Joseph Kosinski, é importante indicar o óbvio:

– O filme é um indisfarçado elogio ao ethos militar.

– Por um lado, o filme incita uma campanha de alistamento, assim como o original Top Gun (dir. Tony Scott, 1986).  

– Por outro, o filme tem como público-alvo aquela geração que cresceu nos anos 80. Não deixam muita dúvida disso a canção “Danger Zone” de Kenny Loggins, inalterada como a trilha de Harold Faltermeyer e a presença de Jennifer Connelly, que deixou muito pivete apaixonado desde Labirinto (dir. Jim Henson, 1986).

– Desde a estreia, o filme já cruzou a marca de 1 bilhão de dólares em bilheteria, deixando para trás Dr. Estranho no Multiverso da Loucura (que acumulou mais de US$940 milhões) e já é o maior sucesso do cinema em 2022. 

Obviedades pontuadas, algumas opiniões (ou seja, puro papo de banquinho, sala de espera ou engarrafamento). 

Tão ousado como tomar uma sopa, o enredo de Top Gun: Maverick é à prova de qualquer risco. Diante da ameaça de ativação de uma usina de enriquecimento nuclear num inominado país, terreno altamente defendido por terra e ar, cabe aos melhores aviadores da Marinha realizar uma invasão furtiva e destruir o engenho antes que ele seja acionado. O desafio é habilitar os pilotos a tempo de realizar a missão e, quem sabe, voltar vivos para casa. Maverick é o único que acumulou experiência (e ousadia) suficientes para mostrar o caminho do sucesso. 

Engrossa o caldo da sopa, um dos pilotos é Bradley “Rooster” Bradshaw (vivido por Miles Teller), o filho de Goose. Por razões óbvias ele guarda diferentes camadas de mágoa contra Maverick. O caráter pessoal e familiar da subtrama potencializa a resolução do enredo principal, telegrafado desde que o filme foi anunciado. 

À parte, quase um detalhe ao enredo principal, é o componente romântico do filme. A personagem Penny Benjamin, interpretada por Jennifer Connelly, mencionada no filme original, agora surge como o antigo e mais autêntico amor de Maverick. Curiosamente ela usa o mesmo modelo de carro e vive em uma casa quase idêntica à de Charlie, personagem de Kelly McGillys em 1986. Fica parecendo que a produção tinha McGillys em mente mas algo azedou no meio do caminho. Segundo a matéria de Thiago Forato, a atriz, que se afastou das produções de cinema há décadas, sequer foi convidada. Dotada de talentos dramáticos sólidos, Connelly tem repertório suficiente para muito mais do que o espaço dado para a personagem num filme que não passaria na 2a regra do teste de Bechdel.

Claro, a fórmula usada em Top Gun: Maverick entrega tudo aquilo que o público espera. É um deleite assistir os plots sendo desatados. As cenas aéreas, endereço onde a maior parte das energias do filme foram alocadas, são incomparáveis. O desfecho, que beira o non-sense, é o equivalente masculino do conto de fadas. Seria perfeito caso cada espectador seguisse o principal conselho de Maverick: “Se você pensar, você morre.” Arriscando o suicídio, aqui valem algumas reflexões. 

O filme parece operar sob três chaves de leitura: (i) excitação, no caso, provocado pelo vôo em jatos supersônicos em manobras audaciosas; (ii) companheirismo, seja entre Maverick e Iceman, novamente vivido por Val Kilmer, seja entre Rooster e seus colegas, seja entre Maverick e seus diferentes interlocutores, como o Almirante Beau “Cyclone” Simpson, vivido por Jon Hamm ou o Sub-oficial Bernie “Hondo” Coleman, vivido por Bashir Salahuddin; (iii) auto-superação, ou seja, cada personagem tem um obstáculo pessoal a ser superado, seja culpa, medo, orgulho ou ressentimento. Dito de outra forma: o filme, em suas várias dimensões, se resume às relações subjetivas ou interpessoais dos personagens e se abstém de nomear antagonistas externos. 

Sendo uma sequência e tendo Tom Cruise como pivô (ator principal/produtor), ou seja, duas marcas valiosas, o filme não poderia arriscar dar nome aos “antagonistas” do filme. Designar rivais internacionais, que no filme podem ser Rússia ou China, comprometeria as bilheterias fora dos Estados Unidos. A mesma escolha narrativa foi feita no filme original e os rostos dos pilotos rivais jamais eram revelados.

Embora eles fossem identificados como “MiGs”, designação de todos os aviões produzidos pelo departamento soviético criado por Artem Mikoyan (M) e Mikhail Gurevich (G)

Como alegoria de amadurecimento e auto-superação, o filme se pretende “apolítico”, despido de um “projeto” ou visão partidária. E não há nada mais político do que isso.

Conhecer os próprios limites e superá-los graças à tenacidade pessoal ou ao companheirismo não são apenas os ingredientes básicos de uma campanha de alistamento, mas valores básicos cultuados em qualquer força armada. O “inimigo” pode ser qualquer um que se queira acusar, assumir qualquer rosto – até à direita, esquerda, centro… 

A conclusão é óbvia. Quando o inimigo é endereçado, o texto se torna político, seja ele cinematográfico ou não. E aí reside o paradoxo de filmes da estirpe de Top Gun: Maverick: a mensagem é de que a vida militar não pode se tornar política. No modelo oferecido pelo filme, é qualquer elaboração mais nuançada é suprimida, especialmente entre os postos mais baixos da hierarquia militar. A reflexão deve ser substituída pela ideia de comunidade de grupo, unido por valores como honra, companheirismo e superação. Pensar, nesse sentido, é um capricho a ser abandonado. Se no campo de ação, pensar é a morte, fora dele é pura subversão. 

Sobre Velho Quadrinheiro

Já viu, ouviu e leu muita coisa na vida. Mas não o suficiente. Sabe muito sobre pouca coisa. É disposto a mudar de idéia se o argumento for válido.
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