O que os Beatles e o nazismo têm em comum?

A resposta foi dada por Taika Waititi.

Provavelmente a maior discussão em torno do filme Jojo Rabbit é se o nazismo é algo risível ou não. No entanto, Chaplin, a seu modo, já o havia tornado passível de riso em 1940 em O Grande Ditador, ainda que, à época, não teria sido possível entender todas as dimensões do movimento político de extrema direita (sim, e a Terra não é plana e vacina não causa autismo).

Porém, que os 79 anos que separam os dois filmes tornaram mais evidente,  mais do que outros motivos para rir do nazismo,  é a íntima relação do movimento com a indústria cultural.

É isso que Taika Waititi revela ao mostrar cenas de uma multidão de pessoas aclamando Adolf Hitler ao som dos Beatles performando a versão em alemão de I want to hold your hand.

Diz o cineasta que durante sua pesquisa para escrever o roteiro do filme, ao assistir documentários sobre a Juventude Hitlerista, não pôde deixar de notar as similaridades entre as massas que aclamavam Hitler e os rapazes de Liverpool.

Foi somente por meio da sociedade de massas e da indústria cultural que os dois fenômenos – o nazismo e os Beatles – tornaram-se possíveis. Adorno e Horkheimer concordariam. Afinal, o próprio conceito de indústria cultural foi formulado a partir da ascensão do nazismo como Estado totalitário – em que todas as esferas da vida encontram-se à serviço do Estado, incluindo a cultura e, consequentemente, a produção cultural em escala industrial que despontava no anos 30 e 40, sobretudo o rádio e o cinema.

Mas qual não foi a surpresa dos dois pensadores ao notar que havia uma pungente indústria cultural também nos Estados Unidos e também à serviço de uma poderosa ideologia: o consumo como estilo de vida.

As imagens de Waititi, em que as massas alemãs e americanas enlouquecem frente aos seus respectivos objetos de adoração, em certo sentido, recuperam as reflexões de Adorno e Horkheimer.

Mas há outras interpretações possíveis para a aproximação entre Hitler e os Beatles que faz Waititi: os dois não passam de uma fantasia juvenil? Infantil?

Embora Jojo professe o credo nazista de modo exemplar, a garota judia Elsa Korr diz a Jojo:

Você não é um nazista, Jojo. Você é um garoto de 10 anos que gosta de suásticas e gosta de se vestir em um uniforme engraçado e quer fazer parte de um clube. Mas você não é um deles. Não você.

A metáfora não pode ser mais clara e é explicitada pela fala de Elsa: o nazismo é uma infantilidade, talvez aqui ecoando o que foi anunciado por Kant quando coloca o Esclarecimento e o exercício da Razão como o alcance de uma maioridade em que  o homem pode conduzir-se por si só e não ser conduzido pelos outros (lembremos que Hitler é o Füher, o guia e condutor da nação).

Mas ainda fica a pergunta, se Jojo não é um nazista, o que faltaria para sê-lo? Denunciar Elsa? Matar um judeu? Ir à guerra?

Voltando aos Beatles, a música Komm, gib mir deine Hand (versão alemã de I Want to Hold Your Hand) pertence a uma fase  em que o grupo era pouco mais que uma boy band de sucesso (estrondoso sucesso, diga-se de passagem), ainda longe do experimentalismo e orientalismo que marcariam a fase final. A música foi a primeira da banda a chegar ao topo das paradas dos Estados Unidos.

Estaria Waitti dizendo que o nazismo, assim como os Beatles, são dois fenômenos estrangeiros que conseguiram conquistar os Estados Unidos?

De qualquer forma, o potencial manipulador da indústria cultural é inegável e, ainda que as análises sobre os fenômenos culturais tenham avançado no sentido de mostrar, também, certo potencial emancipador dos produtos culturais, nada é garantia de que ele, de fato, se realizará. E, no fim, é provável que ainda nos falte muito para chegar à maioridade anunciada por Kant em 1784.

Sobre Nerdbully

AKA Bruno Andreotti; Historiador e Mestre do Zen Nerdismo
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