O herói no tempo e a sensibilidade dos quadrinhos

multiverse1Viajando entre as vibrações de diferentes perspectivas.

Ao pensarmos em Herói e tempo, pensamos no Flash. Seja pelas consagradas sagas como o caso de Crise nas Infinitas Terras, Flashpoint ou seja por ele ser muito rápido mesmo. Mas para além do corredor da DC e dos personagens viajantes do tempo (fica para a próxima, Doutor…) podemos pensar no herói como reflexo do seu tempo. A literatura já diz muito sobre isso, mas podemos ver cada vez isso mais intenso no quadrinhos e filmes de super-herói.

O Flash, em sua versão minimalista

O Flash, em sua versão minimalista

Uma coisa chamou muito a atenção recentemente: a segunda temporada do Demolidor, o Batman Vs Superman e também o novo Capitão América: Guerra Civil tratam diretamente sobre as questões de ética em momentos históricos. Um espectador mais atento deve ter notado isso. Isso é uma questão inerente aos quadrinhos, ou são os quadrinhos que estão falando do nosso tempo?

Desde 2001, mais precisamente no dia 11 de setembro, os eixos dos conflitos internacionais provocaram uma guinada vista poucas vezes na história. Se até 1991 a bipolaridade era do antagonismo “Capitalismo X Socialismo”, o que vivemos na primeira década do século XXI foi o crescimento de uma oposição Ocidente X Oriente. Uma disputa que ninguém ainda sabe ao certo quais rumos tomarão e é bem mais complexa do que era regra na Guerra Fria. Enquanto à boca pequena era fácil dizer que comunistas comiam criancinhas, tudo OK. Agora, quando a China se torna um parceiro comercial importantíssimo, o mundo depende do petróleo do Oriente Médio e surgem atores como o BRICS, ninguém mais sabe exatamente para onde olhar ou o que esperar.

Francis Fukuyama, em 1989, escreveu um artigo intitulado “The End of History?“, no qual sentenciava que a humanidade havia atingido o ápice evolutivo sócio-cultural, de tal maneira que não haveriam mais embates históricos ou desenvolvimentos no sentido humano. Com a “vitória” do capitalismo teríamos atingido a “perfeição” na Economia, no modelo político e na civilização.

Capa da Edição Brasileira do livro fruto desse primeiro artigo.

Capa da Edição Brasileira do livro fruto desse primeiro artigo.

Vemos que o cientista político americano errou redondamente. Tanto que houveram algumas alterações no seu texto e na sua teoria ao longo do tempo. Inclusive autores neoconservadores como ele o questionam, como no caso de Samuel P. Huntington com o livro “O choque de civilizações“, que diz que a História agora se dá pelo embate de diferentes grupos de civilizações.

Enfim, tudo para indicar uma segunda questão: os quadrinhos estão passando pela mesma turbulência?

Sobre os discursos raivosos e sua representação pela Laerte

Sobre os discursos raivosos e sua representação pela Laerte

Apesar de, no senso comum, a nona arte ser tratada como subcultura, ou como produto de entretenimento barato e juvenil, ela contém uma sensibilidade muito ímpar. Não apenas as histórias publicadas nas páginas, mas as adaptações que vão para as telas também se beneficiam dessa mesma potencialidade. É algo visível ao longo dos praticamente 80 anos de quadrinhos mainstream americano.

Capitão América surge, na sua primeira capa, socando Hitler. Superman surge no coração da América, em meio a uma família de fazendeiros. Batman, mesmo sendo um milionário, não deixa de ser filantropo, assim como as grandes famílias americanas. Até o pobre Homem-Aranha é fruto de um tempo no qual a ciência ganha objetivos militares biológicos nunca antes vistos.

Capa da primeira edição do Capitão América

Capa da primeira edição do Capitão América

Curioso que, por estarmos em tempos de maior multiculturalismo, há maior aceitação de debates de diversos e inúmeros temas. Entende-se, neste caso, por multiculturalismo uma visão aberta e irrestrita de que todos os movimentos culturais, que vão desde identidades de gênero até as questões étnicas, têm espaço e voz, mesmo que sejam ignorados, rechaçados e oprimidos tantas e tantas vezes.

Infelizmente ainda temos conservadores tratando as mudanças sociais como atrasos ou ações “incivilizadoras”. Felizmente os quadrinhos abrem um espaço mais generoso, de defesa da amplitude de perspectivas. Temos personagens homossexuais casando, temos negros ganhando papel de destaque, mulheres deixando de ser coadjuvantes e se tornando centrais em diversas histórias e por aí vai. Isso irrita muito uma boa parte dos leitores de quadrinhos que são reacionários, mas isso é papo para um outro post.

Vivemos um cenário cada vez mais maniqueísta, onde há o bem e o mal, como forças opostas e totalmente tensionadas, e digo isso sobre a nossa própria realidade. São “Coxinhas” contra “PTralhas”, Democratas contra Republicanos, “Golpistas” e “Governistas”… Esses discursos oposicionistas, que tem raízes profundas, estão cada vez mais aparentes nos quadrinhos.

coxinhapetralha

Mas, para nossa surpresa, as oposições têm sido reconhecidas como um pouco mais complexas do que apenas certo e errado, como uma visão dogmática. Nas histórias do Demolidor, a tensão entre o Justiceiro e Murdock é clara, mas isso não significa que eles busquem objetivos distintos. Os heróis de Metrópolis e de Gotham se chocam por entenderem que existem caminhos diferentes, mais do que por oposição da finalidade das suas ações. O Cap e Iron chegam ao ponto de buscarem como trabalhar juntos, mesmo tendo visões distintas.

Parece que as produções citadas enfatizam que são diversos tons de diversas cores que compõem a realidade. Apreendem que não há apenas “Oriente e Ocidente”, “Comunista e Capitalista”, “Coxinha e Petralha”… Claro que ainda ecoam discursos majoritariamente americanos e de defesa de ideais liberais, mas há uma maior realidade entre uma oposição na ficção do que no nosso mundo real.

Logo, a sensibilidade, que é culpa dos artistas (roteiristas e desenhistas), tem se mostrado maior que boa parte da sociedade. Pode-se entender que isso ocorre por conta da sua liberdade. A arte é muito mais sincera que a academia ou que a política, pois ela pode falar o que quer e como quer, sob o preceito de ser ficcional. E mesmo quando se dirige diretamente a uma realidade, se defende dizendo que é apenas uma piada.

Nem mesmo o Flash, que é um cara tão viajado no tempo, pode se amarrar tanto a um único ponto. O fato dele ele ser pivô nesses arcos tão importantes mostra isso, pois ele é o único que consegue aceitar e lidar com a existência de diversas realidades, sem sofrer tantos traumas quanto outros personagens provavelmente sofreriam. Isso também acontece por ele compreender o tempo em outra relação, onde um imenso espaço pode passar em um segundo.

São, mais uma vez, os quadrinhos mostrando que as coisas são um tanto mais variadas do que fazemos parecer.

isthisreallife

 

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Uma resposta para O herói no tempo e a sensibilidade dos quadrinhos

  1. xjoaogabrielx disse:

    Quanto mais eu leio esses artigos, mais vontade tenho de participar de um curso de vocês!

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