Independentes?
Subversivos?
Toscos??
Briguentos!
Undergrounds!
Só um verdadeiro Red Shirt pode explicar! Texto de Gustavo Lambreta, do Coletivo Escape HQ!
Quando garoto, nos idos dos anos 1980, como a maioria da molecada, adorava ler gibis. Tínhamos uma boa variedade de quadrinhos infantis: a onipresente Turma da Mônica, Marvel e DC em formatinho (não tão infantil), Disney (que eu achava bem sem graça), além de produtos que existiam em decorrência aos programas de TV, como Xuxa, Chaves, Gugu, Sérgio Mallandro, Leandro & Leonardo (!!) etc.
Era legal ir na banca e achar essas publicações. Era onde eu gastava minha mesada em Cruzados.
Em casa eu não era o único leitor de quadrinhos, meu pai gostava também. Invés de Playboys escondidas em algum canto do guarda-roupa, ele tinha uma coleção de Chiclete com Banana, Circo, Piratas do Tietê, Casseta Popular (que não era de quadrinhos, mas tinha uma pegada underground).
Lembro uma vez de ter achado uma dessas revistas, uma Casseta Especial com o Batman e Robin sendo pegos em um flagra. Perguntei ao meu pai o que eles faziam, eu devia ter uns 7, 8 anos e meu pai ficou roxo e não sabia o que responder. Que falta fazia a internet nessa época para poder ter me ensinado essas coisas sem precisar recorrer ao meu pai caipira. Pelo que me lembro, ele desconversou.
Como eu já ficava desenhando o dia todo, meu pai percebeu que iria seguir o caminho dos quadrinhos e começou e incentivar a leitura. Tinha ainda a Mônica, mas comecei a ler Mad, algumas coisas do Angeli, Glauco e Laerte (que produziam materiais infantis também), além dos quadrinhos de heróis (foi meio chocante ter lido a morte do Robin, sabendo que, tal destino, foi escolhido pelos leitores). Também comecei a criar meus primeiros heróis, distinguia traços, elegia meus preferidos: Luiz Gê era o elegante que eu não entendia, Marcatti era o nojento, Angeli, o que me fazia rir absurdamente, Fernando Gonsales, rei.
Aí vêm os anos 1990. Os underground são deixados de lado. Não só por mim, o Plano Collor quebrou a Editora Circo, alguns sobrevivem, vão pra TV, tornam-se chargistas políticos ou mesmo professores. “Lá embaixo acabou a festa”, pensei. Estamos na era dos quadrinhos de super-heróis. Todos queriam desenhar pra Marvel, DC ou para a mágica Image Comics. Cavaleiros do Zodíaco, Dragon Ball e Pokémon criam uma geração ávida por revistas que você lê ao contrário. Cursos de mangá e animê pipocavam, era difícil ser um desenhista se você não emulasse o traço nipônico. Não tava pra mim, sempre achei um saco.
Pulemos 20 anos aí, estamos na nossa década atual. Temos lojas especializadas em quadrinhos, físicas e virtuais, distribuindo os independentes, junto ao quadrinho mainstream. Algumas barreiras caíram. O cara pode ler Crumb, Naruto e Vingadores numa boa. Surgem eventos como o CCXP, Fest Comix, FIQ, que dá vasão e visibilidade a esses novos ou não tão novos artistas. É chique ser nerd. Saímos do armário, criamos coletivos, blogs, webcomics, financiamentos coletivos para publicarmos nossos materiais. Eu mesmo, dei as caras somente este ano, com 34 anos. Desenhando desde criança, só fui publicar algo depois de velho. Tomamos coragem.
Até mesmo o Maurício de Souza, está incentivando. Começou a dar crédito aos seus colaboradores. Sua editora criou a MSP Graphic Novel, que trás os personagens de sua mitologia na visão de outros artistas.
Mas falando de quadrinho independente, um dia desses estava conversando com o Marcatti, macaco velho da área, que passou por todas essas fases e é um dos caras mais queridos do meio. Ele me disse algo bem interessante.
Existe uma grande diferença entre quadrinho independente e quadrinho alternativo. O Maurício de Souza publica pela Panini, mas poderia muito bem publicar independentemente, continuaria vendendo bem. Temos editoras que publicam quadrinhos independentes. Já o quadrinho alternativo (ou underground, ou mesmo, mais genericamente, adulto) é outra história, são independentes por essência. Não é qualquer editora que tem “culhão” de publicar uma HQ como Lavagem do Shiko (mesmo autor de Piteco – Ingá, aliás, obrigado, editora Mino!). O alternativo não tem como obrigação ser bonito, bem desenhado e finalizado ou mesmo passar uma mensagem, talvez a única obrigação do quadrinho alternativo é de ser genuíno e, se possível, incomodar quem lê.
Temos alternativos genuínos por aí, filhotes dessa geração de zineiros toscos e valentes. Não temos mais ditadura (o que não quer dizer que não temos o que contestar, temos muito). Não somos subversivos por essência – e até me assusto às vezes com a postura política de alguns colegas. Mas ainda somos briguentos. Disputamos espaço a tapa com super-heróis adaptáveis para cinema, com personagens japoneses e coreanos fofinhos e vendáveis, com artistas que vivem de fanarts e prints para pendurar no quarto. Disputamos com nós mesmos para ver quem tem mais likes em fanpages ou o blog com mais pageviews.
Entrando nessa seara, vejo com ótimos olhos termos saído do armário. E saímos aos milhares, muita gente mesmo. Gente ótima e bem ruim também, quem pode julgar é o leitor. Mas se por um lado podemos enxergar uma cena nova surgindo, por outro vejo que falta nos enxergarmos como um grupo.
Vejo um monte de coisa sendo lançada em financiamentos coletivos, floodando grupos de HQ pedindo likes para as suas fanpages, “empurrando” goela abaixo seus trabalhos (não me excluo disso, faço todas essas coisas que citei). Mas será que miramos as pessoas certas? Citando uma charge do Paulo Stocker, vivemos numa panelinha onde cada cachorro cheira o cu do outro. Oferecemos água para vendedor de água ao invés de procurar alguém com sede.
Entendam, não estou generalizando, vejo ótimos esforços de alguns artistas, editoras, lojas e afins, estamos caminhando bem, mas talvez tenhamos de melhorar um pouco nossa mira.
Gustavo Lambreta faz parte do coletivo Escape HQ. Conheça o trabalho dele e dos outros Escapistas clicando aqui.
“Oferecemos água para vendedor de água ao invés de procurar alguém com sede.” Era justamente isso o que vinha me incomodando nas minhas leituras ultimamente. Materiais interessantes, bons até, mas que parecem voltados única e exclusivamente para um determinado nicho.Diferente das histórias que eu lia quando moleque que tinham a capacidade de atrair um amplo público.
Excelente texto para se refletir bastante.
Boa matéria! Os quadrinhos no Brasil sobrevivem pelo glamour dos super-heróis e a massificação conseguida pelos filmes, desenhos animados e produtos pela força mercadológica norte americana, mas os artistas nacionais quase que imploram aos seus pares para que adquiram e divulguem seus lançamentos, quase todos, ultimamente, via financiamento coletivo. Temos várias problemáticas aqui, que precisam de ajustes, mas o marketing e a propaganda é essencial para que alcancemos um público real, o leitor puro e que começou a desaparecer nos anos 90. As HQs não podem ficar isoladas e direcionadas apenas aos “especialistas” e/ou “lombadeiros”, onerando os preços. É preciso fortalecer as bancas de revistas, cobrar incentivos dos políticos, criar mecanismos para chegar a novos públicos e investir em publicações populares, senão essa arte pode até morrer.