Das histórias que não se deve esquecer: Liga da Justiça de Grant Morrison

Os anos 90 foram bizarros para os quadrinhos e a Liga da Justiça não passou ilesa. Naquela época, o Lanterna-Verde era Kyle Ryner. Hal Jordan havia se tornado Parallax. O Flash era Wally West, antigo Kid Flash. Aquaman tinha um bizarro gancho ao invés da mão esquerda e o Superman, recém morto e ressuscitado, tinha uns mullets do inferno e muito em breve iria se dividir em dois, o Vermelho e o Azul… e essa foi a versão da Liga da Justiça que passou nas mãos de Grant Morrison!

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Com a ideia de recuperar os “7 Grandes” (Superman, Batman, Mulher-Maravilha, Flash, Lanterna-Verde, Aquaman e Caçador de Marte), a passagem de Morrison pela Liga foi um sucesso estrondoso nos Estados Unidos. Em 1998 eu devia ter por volta de 16 anos sem ter consciência de nada disso e estava esperando para cortar o cabelo quando comecei a folhear aquela revista…

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Em 2008 a Panini lançou o primeiro volume da fase do Morrison com a Liga, e folheando, reconheci imediatamente aquela história. Desculpe, eu disse primeiro volume? Não, único volume… pois é, infelizmente frustrar leitores/colecionadores é uma prática comum da Panini…

Mas voltando à história…

A trama é simples: um grupo de alienígenas autodenominado Hyperclã começa a fazer tudo o que a Liga da Justiça não fez: acabar com a fome mundial, com os crimes etc. Em suma, começa a transformar a Terra numa espécie de Paraíso. Claro que, na verdade, o Hyperclã  são os marcianos brancos, do mesmo planeta do Caçador de Marte e querendo dominar a Terra, o que a Liga da Justiça impede. Mas mesmo por trás dessa simplicidade a história traz uma reflexão importante.

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O Velho Quadrinheiro escreveu um texto semana passada explicando porque os quadrinhos negam a religião. Você pode ler o texto aqui ou confiar no meu resumo. O argumento principal dele é que todas, ou pelo menos grande parte, das religiões (especialmente o cristianismo) creem em algum tipo de “fim do mundo” e que a quase infinidade das histórias de super-heróis lidam com o adiamento infinito desse fim, daí negarem a religião.

Mas gostaria de mostrar um outro aspecto dos quadrinhos, ou pelo menos desse arco da Liga da Justiça: ao contrário, esse arco afirma a religião. Talvez tudo aquilo que o Velho escreveu e o que eu vou escrever aqui valha somente para as grandes religiões monoteístas (cristianismo, islamismo e judaísmo), mas mesmo assim… elas somam 54,9% dos fiéis de todo o mundo. No Brasil, as pessoas que se declaram cristãs são cerca de 88,98% de acordo com o IBGE. Ou seja: mesmo se só valer para essas religiões específicas elas são estatisticamente relevantes.

Mas vamos lá… nessas religiões existe a clara concepção de que existe um único Deus – e ele é onipotente, onipresente e onisciente. Perfeito. Infinitamente bom e infinitamente poderoso. O que cabe uma pergunta que todos já formularam, de uma forma ou de outra: se Deus é bom por que permite que coisas ruins aconteçam?

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Claro, todas as religiões e teólogos arriscam uma explicação para isso. Talvez convença a você, mas convenhamos que um mundo tão imperfeito é uma incompatibilidade lógica com um Deus onipotente e infinitamente bom.

A não ser que… não possamos compreender exatamente Deus em todos os seus aspectos. Isso faz muito sentido. Se somos limitados, como compreender um ser que é ilimitado? Se somos imperfeitos, como compreender a perfeição? Logo não podemos compreender no que consiste essa bondade infinita de Deus.

A Liga da Justiça de Grant Morrison lida com isso. Quando o Hyperclã aparece, na verdade está acontecendo uma intervenção divina em escala planetária. Em outras palavras: o Hyperclã atende a todas as preces, impede que coisas ruins aconteçam.

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A história é interessante por nos mostrar uma coisa: nós, limitados que somos, não podemos ver claramente o resultado de todas nossas ações. Ou seja, algo que em nossa compreensão limitada é visto como bom, se realizado, pode ser algo ruim, com consequências que nos escapam.

Há uma história que me foi contada por um de meus mestres na trilha do zen-nerdismo que ilustra bem o que quero dizer aqui. Diz a história que o Buda, vendo que um homem irá matá-lo, mata o agressor primeiro. Por que ele faz isso se matar é errado? Simples: uma vez no estado de budeidade (espécie de onisciência, para ser extremamente simplista) o Buda viu que seu potencial assassino iria acarretar um karma muito ruim para si mesmo e, em sua onisciência, viu que a única maneira de impedir que isso acontecesse era matando-o. Ou seja: o que em nossa compreensão limitada pareceu um ato cruel, na compreensão ilimitada do Buda foi um ato de misericórdia.

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Em mais de uma vez Grant Morrison já disse que encara os personagens da DC como verdadeiros deuses, especialmente a Trindade – Superman, Batman e Mulher-Maravilha. Em sua fase com a Liga essa concepção foi explícita. Em seu primeiro arco, Morisson quis mostrar exatamente isso: sim, os membros da Liga da Justiça são deuses. E eles vão resolver alguns dos problemas da Humanidade, mas não todos. Não porque não podem, mas porque não devem. Porque têm uma compreensão maior das coisas, que não pode ser acessada por mortais.

Nada mal para uma história despretensiosamente lida antes de aparar a juba.

PS: Você pode conhecer um pouco mais sobre a obra do Morrison aqui:

Sobre Nerdbully

AKA Bruno Andreotti; Historiador e Mestre do Zen Nerdismo
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9 respostas para Das histórias que não se deve esquecer: Liga da Justiça de Grant Morrison

  1. Olavo Lima disse:

    e não se deve esquecer que foi feita por ele e o MARK WAID auhaua

  2. Olavo Lima disse:

    a nova reformulação que se deu origem a primeira historia foi escrita por mark waid que continuou contribuindo assim como outros escritores para essa fase da liga,mas são esquecidos

  3. Jarvis disse:

    Ótimo texto Nerdbully.Colecionei essa fase da liga da Justiça.Realmente é inesquecível.

  4. disse:

    Será que o ato do Buda foi de misericórdia ou de autoritarismo?????? Enfim… pirando aqui….

  5. yurihenschel disse:

    Por coincidência, ontem mesmo comecei a ler essa run do Morrison, mas larguei pelos desenhos insuportáveis do Porter e aquela colorização digital de cores saturadas típica dessa época…além disso, um dos culpados da ideia penetrada do Batman ser aceito como o fodão popular mesmo sendo um personagem insuportável interagindo com outros é o Morrison, com aquela atitude irritante que ele imprimia no personagem. Essa característica dele era muito melhor explorada com a Liga Cômica de 80 e que era insinuada que ele gostava dessas mesquinharias infantis que ele travava com outros personagens.

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