Muitos amigos sabem que sou quadrinheiro, assim como sabem que tenho uma posição de “esquerda” (mesmo sendo complicado discutir o que é esquerda e direita, mas pense que eu acredito/estou nas lutas sociais de base). Somando essas duas coisas, sou regularmente presenteado com quadrinhos que apontam essa posição.
A última pérola que recebi foi “O Capital” em banda desenhada. Uma edição portuguesa de 1978, desenhada por Carlos Barradas, da editora Mil Dias, sob o selo “Na revolução”. É uma relíquia do período da Guerra Fria. Claramente com um intuito de doutrinação, as representações do capital e do capitalismo beiram o grotesco. Ou melhor, SÃO grotescas.
Abri a publicação esperando ver manobras e recursos usados para transformar um livro denso, e muitas vezes chato de ler, em uma coisa mais lúdica. Mas me deparei com um texto de apresentação.
Sob o título “Breve Explicação”, o coordenador do projeto Orlando Neves, justifica essa adaptação. O que é mais interessante é que as palavras dele são semelhantes a de qualquer estudioso atual de quadrinhos:
É curioso. Apesar de ser de 1978, até hoje estas palavras seriam necessárias para justificar a obra a um não quadrinheiro. Mesmo depois de Gaiman, Moore, Morrison, Sacco, Spiegelman, Sartrapi, Crumb, Mazzuchelli, Thompson e tantos outros, ainda sim precisamos defender que quadrinhos, ou banda desenhada, não é coisa – exclusivamente -de criança. Isso já foi trazido aqui em outros textos: Quadrinhos: o Filho Bastardo das Musas; Quando os quadrinhos são mais sérios que os políticos; Quadrinhos são para adultos e falam de política
Sobre a publicação em si, devo dizer que os méritos são muitos. Apesar do texto ter sido transformado de maneira panfletária, é uma ótima maneira de rever os conceitos chave do marxismo. Segue abaixo dois exemplo de como foi feita a transposição de mídia para alguns dos conceitos:
Observamos que o texto ainda tem grande destaque, uma vez que o tema-conceito exige algo mais do que apenas a narrativa visual. Isso pode ser uma dificuldade. Essa dificuldade (a combinação da narrativa textual + visual com prioridade no texto) impede a fluidez da leitura, uma vez que cada capítulo se concentra em um único conceito tratado no Capital e provoca um número grande de quebras. Mesmo assim, a imagem, o tom mais descontraído, próprios da linguagem dos quadrinhos, acaba facilitando a compreensão de algumas nuances muitas vezes ignoradas até mesmo pelos marxistas. O segundo exemplo nos mostra como o autor soube utilizar bem alguns recursos dessa linguagem, mesmo que muito se ampare no texto.
É um prazer ver um trabalho como esse. Mesmo panfletário – e algumas vezes superficial – provoca uma série de questionamentos. Assim como Marx que no século XIX questionou e influenciou o modo de compreensão de mundo, essa adaptação projeta (ou tenta) o mesmo impacto em 1978. E assim como estes, muitos quadrinhos independentes também tem retomado temas filosóficos, acessíveis pela facilidade de produção e divulgação.
É fácil encontrar exemplos. Vale como indicação a tira do Zen Pencils, site do desenhista Gavin Aung Than. Nele o cartunista transforma pensamentos, conceitos em tiras verticais.
Àqueles interessados no trabalho dele, as tiras traduzidas estão aqui. Vale uma olhada em uma das tiras, do site original, infelizmente apenas em inglês, que sem dúvida tem tudo a ver com “O Capital” do Marx:
confira !
creio que vocês já leram!
Opa Stefano!
Falando por mim: Tinha conhecimento da adaptação em Mangá, mas não havia lido ainda!
Muito boa a contribuição! Será que tem em pt-br tb?
em pdf não