Algo que você deveria saber, Little Nemo in Slumberland (algo como O Pequeno Nemo na Terra do Sono) é a criação mais conhecida de Winsor McCay, o maior cartunista de todos os tempos. A importância dessa obra prima para os quadrinhos vai muito além de ser uma das primeiras histórias em quadrinhos de um mesmo personagem com publicação regular a fazer um grande sucesso. Não, se trata de muito mais. Seu maior mérito foi ter levado ao limite essa linguagem ainda no seu nascedouro.
Neste momento, artistas como Bill Sienkiewicz, Gabriel Bá & Fabio Moon, J.H. Williams III, Yuko Shimizu, Paul Pope e Charles Vess, entre muitos outros, estão com um projeto colaborativo de um livro de histórias inéditas para esse personagem no mesmo formato da publicação original (página de jornal – 40X53cm aproximadamente).
Já falamos aqui sobre a interação entre texto e imagem, roteiro e arte gráfica, que fazem dos quadrinhos uma linguagem única e com possibilidades não transferíveis para outras mídias. São exatamente essas possibilidades que se destacam nas historias de McCay. O mundo do sono permite uma não linearidade, uma ausência de causa e efeito no roteiro, que faz com que a arte (o desenho) possa fluir livre, não submetido a uma fórmula. A mídia para qual se escreve uma história é determinante – o meio é a mensagem, dizia Marshall McLuhan, um dos mais importantes teóricos da comunicação do século XX.
Nos vídeos abaixo é possível entender melhor essa diferença e o quanto é difícil (se não impossível) migrar de uma mídia para a outra sem subverter totalmente a essência da narrativa.
No primeiro, o próprio Winsor McCay aparece fazendo uma animação com seus personagens. Nos últimos dois minutos do vídeo vemos o resultado desse trabalho e notamos como ele explora a técnica sobre a qual se debruça. O roteiro da animação é uma decorrência da própria forma de se fazer um desenho animado. Da mesma forma McCay cria seus quadrinhos, onde o espaço da página e a arte definem o fluxo narrativo.
No segundo vídeo temos um filme de animação feito em 1989. O roteiro se constrói a a partir dos elementos que constituem a criação de McCay – Nemo, a Terra do Sono e seus personagens – mas a narrativa é linear e portanto se desenvolve pelo desencadeamento de causa e efeito (Guarda dormindo – Nemo bate no guarda – Guarda acorda – Guarda corre atrás de Nemo – Nemo foge correndo). A mídia não permite que se veja todos os desenhos ao mesmo tempo (que é exatamente o que acontece nas histórias de uma página que McCay produzia para o jornal), e isso muda tudo.
Por fim um curtametragem do estudio Ghibli (de A Viagem de Chihiro, O Castelo Animado e Meu Amigo Totoro), que infelizmente abandonou o projeto. Por ter apenas três minutos e meio e quase não ter diálogos a sensação de linearidade temporal de causa e efeito fica mais branda, mas mesmo assim não chega perto do que acontece na narrativa impressa.
Ações como o livro colaborativo em homenagem a McCay, resgatam e celebram a genialidade da criação original, ampliando nosso olhar sobre essa mídia que hoje é dominada por uma narrativa cristalizada e cheia de fórmulas. Que esse resgate traga renovação!
[invasão do Quotista (já não bastasse estar aqui só pra dar diversidade étnica, ele agora quer quotas dos posts alheios): Em 2012, o Google publicou o que considero o melhor doodle de todos os tempos. Você certamente viu, mas não custa ver de novo.]
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