

Talvez seja uma falha de percepção minha (não sou exatamente o sujeito antenado que meus amigos acham que sou), mas não me parece haver uma produção significativa (em termos de qualidade, mas também de quantidade) sobre a ditadura militar nos quadrinhos brasileiros após a redemocratização. Situação, no mínimo, curiosa, uma vez que os temas históricos sempre corresponderam a grande parte dos títulos nacionais. Essa ausência se torna ainda mais estranha se nos lembrarmos que o período ditatorial foi riquíssimo na produção de charges, tirinhas e tablóides, mesmo com toda a censura e perseguição política.

Não é que os bons chargistas tenham desaparecido. Num país como o nosso, eles têm material de sobra para trabalhar todos os dias, sem precisar recorrer a questões do passado — até porque a natureza da charge é mesmo retratar o agora. (Há momentos em que os temas são tantos que deve ser até difícil escolher). Também temos bons quadrinistas que trabalham com os mais variados temas, muitos deles bastante politizados. E fazem isso de maneira competente, sem cair numa narrativa enfadonha e que incentive o leitor a deixar o material de lado para ler qualquer outra coisa. Como se explica, então, essa ausência de publicações justamente no ano do cinqüentenário do golpe?

Na falta de evidências, resta especular. E a explicação mais razoável que me vem agora (fugindo do chavão do brasileiro sem memória) é que o mercado de quadrinhos, embora tenha crescido em vendas e em importância, ainda ocupa uma posição secundária na cabeça dos editores, talvez pior. As editoras não incluíram a data em seu planejamento, perdendo uma oportunidade singular de alcançar novos leitores e de reforçar esse momento em que os quadrinhos começam a deixar o confinamento às prateleiras de leitores infanto-juvenis para atingir a maturidade simplesmente porque não entendem o potencial desse mercado.

Grande parte do crescimento do mercado brasileiro de quadrinhos está tomado por produções estrangeiras, é evidente. E é fato de que nenhuma produção brasileira alcançaria o mesmo volume de vendas dos quadrinhos heróicos americanos, ainda mais quando se trata de um tema que tem pouco espaço para a diversão pura e simples.
Mas nem só de leitores adolescentes (de fato ou tardios) vive o mercado de quadrinhos. Temos bons escritores e bons artistas que não só poderiam suprir mas até mesmo criar a demanda por histórias que retratem nosso cotidiano e nosso passado. Falta um bom planejamento editorial, porque a liberdade de expressão não serve para muita coisa quando quem tem o que dizer se cala por falta de visão.
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Sobre Quotista
Filipe Makoto Yamakami é historiador, professor, músico amador, twitólatra, monicólatra, etc.
E realmente precisa de um emprego que lhe permita pagar as contas.
@makotoyamakami
Em resposta e corroborando o que o Quotista colocou, vale este breve comentário do Caruso! http://oglobo.globo.com/rio/ancelmo/posts/2014/04/01/chico-a-noite-dos-generais-529562.asp
Ótima reflexão! Realmente a data passou “batida” pelo planejamento editorial e nos leva a outros questionamentos além do factual. As poucas e raras oportunidades de produção de algo consistente esbarra em questionamentos de falta de público ou números de vendas.
Já faz tempo que digo que os players no mercado brasileiro de quadrinhos não têm idéia do potencial dessa indústria. Se acomodam na exploração do público adolescente e não entendem que já temos pelo menos duas gerações de leitores e ex-leitores mais velhos que estão dispostos a dar uma chance à leitura de produções mais maduras.
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