Homem Aranha, Homem Aranha, nunca bate, só apanha…

Nos anos 90 ele era meu personagem favorito. Eu já vinha consumindo suas histórias (publicadas por aqui no formatinho da Abril) desde o fim dos anos 80, e apesar dos problemas de cronologia, atrasos e mutilações que recheavam as revistas aqui no Brasil, eu passei bem empolgado pelas Guerras Secretas, e empenhei toda a minha mesada em edições escritas e desenhadas pelo jovem talento Todd McFarlane (publicadas por aqui no inovador “formato americano”).

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O casamento com Mary Jane Watson, o uniforme negro (herança das Guerras Secretas) e uma abordagem gráfica mais arrojada encabeçada por McFarlane, seguido de Erik Larsen e Mark Bagley, me mantiveram interessado no amigão da vizinhança, disposto a comprar qualquer revista em que o personagem aparecesse.

302315-20476-122582-1-nfl-superpro_superAliás essa ligação dos fãs com o personagem sempre foi muito explorada comercialmente pela Marvel. Ainda tenho uma edição gringa número 1 de 1991 de um personagem chamado NFL SuperPro (um jogador de futebol americano com super poderes que usa o uniforme do jogo nas cores da bandeira deles). Essa nova sensação super heróica da Marvel (como está escrito na capa do gibi) não durou muito, até porque tinha como único objetivo arrancar algum dinheiro com anúncios de cards colecionáveis dos times de lá. E adivinha quem está na capa da primeira edição? Nosso bom e velho teioso…

Se eu que nunca acompanhei futebol americano comprei o gibi, imagina o publico alvo da editora! O Aranha vendia tudo que tocava e a Marvel sempre abusou disso. Só que agora, depois de uma sequência incrível de fases polêmicas, o personagem já não é mais o carro chefe da editora (não que isso seja um sacrilégio, mas a Marvel acabou copiando a formula da DC Comics – Homem de Ferro e Vingadores  / Batman e Liga da Justiça).

Tudo bem que a abordagem clássica para uma história de herói é de queda e redenção. O drama, a perda, as decisões difíceis, a dura ascensão. Mas a característica principal do Homem Aranha é o humor, e isso em muitos momentos isso foi negligenciado. Ainda nos anos 90, histórias como o Aranha com poderes cósmicos, ou o arco Crise de Identidade, mostram o herói vivendo momentos de drama pessoal recheados de humor. A essência do personagem estava intacta, até que veio a Saga do Clone – e ai mudou tudo.

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O choque dos fãs ao saberem que Peter Parker era um clone e que o Homem Aranha de verdade era Ben Reilly  foi correspondente a morte do herói em vida. Aliás essa história começa a ser publicada alguns meses depois da Morte do Super Homem, que havia aumentado a venda dos títulos da DC e recebido bastante atenção da imprensa mundial. Heróis morrendo e ressuscitando são uma prática relativamente comum no mundo dos quadrinhos, então os fãs do Super Homem sabiam que o personagem voltaria, mas no caso do Aranha não se sabia o que esperar, então, apesar das vendas terem aumentado, as criticas foram bem pesadas. Quando no fim da Saga do Clone as coisas voltam aos trilhos e Peter Parker volta a ser o Aranha original, fica um gosto amargo de que a Marvel errou e teve que voltar atrás.

Daí pra frente ficou uma pulga atrás da orelha cada vez que a Marvel tentava uma mudança drástica na vida do personagem. A Guerra Civil que dividiu os heróis da Marvel entre registrados e não registrados fez o nosso aracnídeo expor sua identidade secreta pro mundo. As implicações disso pro universo do herói seriam bombásticas! Foi uma jogada questionável da Marvel, mas funcionava no contexto da guerra civil e poderia representar um novo começo. Claro que toda a mitologia e características do personagem seriam modificadas e isso exigiria dos roteiristas muita criatividade.

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A revelação da identidade secreta do Homem Aranha atraiu a atenção da mídia e os títulos da Marvel venderam mais, mas novamente as críticas dos fãs chegavam de baciada. O Aranha deixava de ser o adolescente nerd, tímido, afastado dos pais, vítima de bullying e torturado pela morte do tio, e passava a ser um adulto, casado, herói reconhecido, cientista patrocinado por Tony Stark. Nunca mais as desculpas pelos atrasos que a dupla identidade causava, nunca mais a falta de dinheiro, a máquina fotográfica presa na parede registrando algum confronto pra vender as fotos pro Clarím, nunca mais ser tratado como ameaça e não participar das ligas de heróis.

Mas os quadrinhos são esse lugar mágico onde tudo pode acontecer, então porque não apagar tudo? Dá muito trabalho repensar todos os parâmetros do personagem? A crítica dos fãs gera uma publicidade ruim? Seus problemas acabaram! Chama o capeta! Isso é o arco One More Day quando três dos eventos mais marcantes e significativos das últimas décadas do Aracnídeo vão por água a baixo – o casamento, a morte do Dr. Octopus e identidade revelada.

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É um reboot sem ser um reboot. É passar a borracha em alterações profundas e aparentemente inconsequentes que a Marvel fez na cronologia do personagem nas últimas décadas que o afastaram de sua origem adolescente, inexperiente e culpado e o transformaram num adulto responsável e consciente de seu lugar no mundo.

Parte desse recomeço vem do sucesso do título Ultimate do teioso (publicado aqui com Millennium), que se passa no seculo XXI e mostrava o inicio da carreira dele, reinventando vários momentos clássicos do herói (como a Saga do Clone) sem cometer os erros das séries originais. O fato é que zerar o personagem de maneira forçada não foi o suficiente pra trazê-lo de volta ao primeiro lugar nas vendas. Com os Vingadores (na esteira do filme) e os X-Men (X-Men versos Vingadores) vendendo mais que os Novos 52 (reboot cheio de estratégias de marketing da DC Comics), o Aranha não estava mais no topo da lista e precisava de uma polêmica pra voltar a ser o maioral – Homem Aranha Superior.

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Trocar de corpo com o Dr. Octopus em seu leito de morte, passar a controlar os impulsos agressivos de Octavios como se fosse um grilo falante, uma consciência fantasma dentro de seu próprio corpo, ser demitido dos Vingadores e passar um ano como um herói mais durão, deixando mais uma vez de lado o humor como característica do personagem. Adivinhem qual o resultado disso? Vendas, vendas e mais vendas….

Pra quem começou a ler as histórias do amigão da vizinhança nos anos 80 o personagem das histórias de hoje não faz jus ao que ele já foi um dia. Quem começou a ler depois da Guerra Civil vê o herói como alguém inconstante, sem uma base sólida, saindo da maturidade pra adolescência tardia e fazendo pactos com o demônio.

É possível voltar a essência? Ainda veremos o herói torturado, carregando o mundo nas costas pra proteger aqueles que ama, escondendo sua identidade e distribuindo alívio cômico quando tudo a sua volta parece ruir? Talvez em algum ponto no futuro essa seja a única saída pra ele, mas por enquanto as vendas vão continuar puxando novas polêmicas e a musiquinha do título desse texto vai continuar a fazer mais sentido do que nunca.

Sobre Picareta Psíquico

Uma ideia na cabeça e uma história em quadrinhos na mão.
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10 respostas para Homem Aranha, Homem Aranha, nunca bate, só apanha…

  1. Luiz André disse:

    Fica difícil acompanhar os quadrinhos de nossos heróis preferidos quando uma grande saga ou uma reformulação coloca tudo a perder em relação às bases que definiram e garantiram a fama a determinado personagem. O mais estranho ao se tratar destas mudanças ocorridas na vida do Aranha é que por mais que os fãs chiem e dizem querer abandonar a série, os números só apontam a alta nas vendas e mais um polêmica na mídia que mais serve como propagando do que encalhe nas comic stores. É verdade quando o autor diz que este personagem não é mais o Homem-Aranha que costumava ser (e provavelmente nunca mais será), que sua principal característica – a de se relacionar com seu público não pela faceta super-heroística, mas pelo lado humano – se perdeu em constantes reboots. O melhor é se apegar às boas lembranças de um tempo em que quadrinhos de super-heróis eram divertidos, porém sem zombar da inteligência de seus leitores.

  2. Luciana Cristian disse:

    É difícil fazer críticas ao meu personagem preferido, mas é verdade o que foi dito: o Homem-Aranha nunca mais será o mesmo. Eu comecei a ler as HQs do Aranha em 2002, impulsionada pelo filme e pela animação que passava na TV, que só depois eu descobri que era de 1994. Comecei lendo as HQs que estavam na banca, mas logo percebi que não era suficiente e comecei o processo Gibiteca, internet, para conseguir ler as HQs antigas, as quais as atuais dificilmente superarão. Eu já era enlouquecida pelas histórias do personagem (ainda que revoltada com a “Saga do Clone”) quando veio a “Guerra Civil”, que eu gostei muito, apesar de ter sido (como dito) a “concretização do novo Parker”, adulto, maduro, mas eu estava disposta a aceitar isso se fosse para evitar o pacto seguinte. Confesso que estou gostando mais do que esperava da fase pós “One More Day”, mas só de lembrar como chegaram a ela, ainda fico inconformada. Ainda não li nenhuma história da nova fase “Superior”, mas mesmo sem saber se vou gostar ou não, uma coisa é certa, eu sinto como se o Homem-Aranha estivesse perdido nas mãos dos roteiristas. É triste ver como um personagem com tanto a ser explorado perdeu-se nessa maré de vendas, mas quem sabe um dia os roteiristas se lembrem da frase “com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades” e tenham mais responsabilidade para controlar o poder que lhes foi dado sobre as histórias do Aranha.

    • Por isso que é tão gostoso ler histórias do Aranha em universos paralelos da Marvel. Eu adorava o 2099 e o Ultimate (mas esse último a Marvel conseguiu zoar também), porque as histórias tinham aquela inocência do herói que não sabe direito o que está fazendo mas é impulsionado pelo seu senso de justiça. Talvez a saída pra Marvel seja um reboot completo ao estilo Novos 52 da DC, pra restaurar a essência de seus personagens. Depois de tudo que fizeram com o Aranha eu até ia gostar de um recomeço.

      • Luciana Cristian disse:

        O Universo Ultimate era bem legal mesmo, mas começou a declinar culminando com a troca recente de personagem principal. Não gosto muito da ideia de um reboot completo, mas realmente não consigo pensar em outra forma de trazer o personagem aos seus valores, estilo, enfim, voltar à essência, como dito. Enquanto isso, continuamos a ver clones à solta, pactos, casamentos sendo desfeitos em troca da vida de uma “tia”, essas coisas que todo fã “adora”.

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  6. Claudio Matos disse:

    Eu aprendi a ler com as histórias do Aranha…é uma decepção sem tamanho ver tudo isso que fizeram, desde One More Day eu não leio mais nada…desisti.

    :/

  7. Andre Eugenio disse:

    Bem, eu não posso reclamar. Sempre fui fã assíduo do cabeça de teia, tinha todos os quadrinhos até chegar a saga dos clones. Quando vi que apareceu um clone do Cabeça de teia, li a estória e achei absurda. Nunca mais comprei um quadrinho do Aranha. deixei de acompanhar suas estórias e vejo que, do jeito que ele está, não perdi muita coisa, parei na hora certa. O mesmo aconteceu com o Super homem, a morte dele foio último quadrinho que comprei, depois disso, ele realmente morreu para mim.

  8. Maxilley disse:

    Andre Eugenio, você conseguiu expressar exatamente o que aconteceu comigo. Ao chegar na estória dos clones, Chacal, Ben Reilly, Gwen Stacy, foi demais pra mim, que que costumava perder horas mergulhado de cabeça nas peripécias do cabeça de teia.

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