Das histórias que não se deve esquecer (2): Épicos Marvel n. 2 – X-Men versus Vingadores

Histórias que te fizeram pensar em algo que você não havia pensado antes, ou mesmo histórias que tenham feito você pensar de maneira diferente alguma coisa. Esse me parece um critério extremamente válido para selecionar quais quadrinhos merecem ficar na prateleira, muito melhor do que o fetiche de uma edição número 1 ou qualquer coisa que o valha.

Curiosamente, assim como no post anterior, a minha escolha também pode ser vista como uma “história menor” (ainda que a história mencionada pelo Velho Quadrinheiro tenha sido escrita por ninguém menos que Alan Moore). Mesmo assim, trata-se de um dos quase inumeráveis embates entre Vingadores e X-Men que se deram ao longo das décadas.

Publicada por aqui em 1991, foi a revista Épicos Marvel n. 2 – X-Men versus Vingadores, exemplar da época do saudoso formatinho da Abril.

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Dividida em quatro partes, a história se passa num período em que Magneto é aliado dos X-Men, mas está sendo caçado pelos Vingadores para que vá à julgamento em uma corte internacional pelos crimes cometidos quando ainda era um vilão. Além do embate entre Vingadores e X-Men, os Super-soldados Soviéticos, espécie de versão comunista dos Vingadores, também estão no encalço do Mestre do Magnetismo. Isso é o que garante porrada de sobra entre as equipes durante as três primeiras partes da história, escrita por Roger Stern e desenhada pelo então jovem talento, Marc Silvestri .

O mote da história: um pedaço do Asteróide M cai na Terra, e Magneto tenta encontrar parte de sua antiga base para evitar que ela “caia em mãos erradas”. Lá, Magneto recupera seu antigo elmo, com uma poderosa tecnologia capaz de retirar de qualquer ser humano o preconceito contra mutantes. Recuperado de seu aparato, Magneto decide se entregar e aceitar o resultado do julgamento – qualquer que ele seja.

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Mas é na parte 4 da história que as coisas ficam realmente dignas de permanecer na memória (e o quadrinho na prateleira). Escrita por Tom de Falco e desenhada por Keith Pollard, o centro da trama é o dilema moral de Magneto em utilizar ou não sua arma.  Nem mesmo ele está certo de que deve mesmo fazê-lo e trava um diálogo sobre a moralidade do ato com o Capitão América:

– Capitão América, você é um homem honrado! EU o trouxe aqui porque não sei o que fazer! Qual é a sua opinião?

– Eu acredito que todo homem é livre para ter suas próprias ideias… Mesmo que ele seja racista!

Magneto, convencido de que o Capitão tem essa opinião por ter preconceito contra mutantes, usa a arma no Sentinela da Liberdade, que após seu uso continua convicto. Magneto julgava que TODOS os humanos eram preconceituosos em relação aos mutantes, mas se espanta ao ver que o Capitão América nunca teve tal sentimento.

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Então Magneto decide não usar os poderes de seu elmo. Porém, durante o julgamento, ele teme que sua condenação à morte incite uma fúria dos mutantes contra a humanidade e, pensando em evitar uma guerra entre humanos e o homo superior, utiliza o elmo no juiz do caso, que o absolve. Porém o indulto gera uma revolta dos humanos contra os mutantes e o perigo de uma guerra ainda permanece.

Aquilo me marcou. Magneto queria tornar o mundo melhor livrando-o do preconceito contra os mutantes, mas o Capitão América alertava que aquilo violaria um dos direitos mais sagrados de um ser humano: o direito de pensar livremente.

Pode-se argumentar que ninguém pensa livremente, que todos somos marcados por “N” dimensões (posição social, situação econômica, localização geográfica, etc.). Mas em última instância somos livres dentro dessas dimensões e o direito permanece – ainda que nossas escolhas sejam limitadas e formatadas.

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Então ali havia um problema ético/moral: livrar as pessoas do preconceito e tornar o mundo melhor ou não fazê-lo para que as pessoas tenham o direito de escolher?

Tornar o mundo melhor de acordo com aquilo que você considera melhor é obviamente recriminável quando estamos falando, por exemplo, do extermínio de uma população (concretamente: o holocausto), mas e quando estamos falando da erradicação do preconceito? Isso sim é um dilema na mais pura acepção do termo e é por isso que aquela velha revista continuará na minha prateleira.

Sobre Nerdbully

AKA Bruno Andreotti; Historiador e Mestre do Zen Nerdismo
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5 respostas para Das histórias que não se deve esquecer (2): Épicos Marvel n. 2 – X-Men versus Vingadores

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  3. Lembro dessa história em três partes, pois aqui no Brasil tivemos uma prévia com o combate entre Quarteto e X-Men e o fechamento da série de três edições Épicos Marvel com o confronto entre Mefisto e os heróis Marvel. Quando debato com alguns fanboys atuais e digo que as histórias atuais não são clássicos, no máximo são boas recontagens de histórias e conflitos já vistos em outros gibis, muitos ficam irritados e me chamam de saudosista. Mas quantos quadrinhos – dentro do Universo regular da Marvel/DC – atuais podem ser descritos com esse segundo nível de leitura, em um nível macro, com um fundo moral e filosófico que faz o leitor refletir mesmo após fechar o gibi? Digo e repito, dentro do Universo regular: nenhum. Se expandirmos para os títulos periféricos, encontraremos algo como X-Tatic, Bishop dos X-Men, Gotham Central, Doutor Estranho o Juramento ou Batwoman, mas nos personagens principais temos histórias ruins em geral, histórias regulares em sua maioria e excelentes arcos de tempos em tempos. Mas clássicos? Somente em especiais do Batman (Preto e Branco), Superman (As quatro Estações), Liga (o Prego), Homem-Aranha (Azul), Vingadores Ultimate (Supremos Segurança Nacional) e afins. Questiono-me se os editores e roteiristas não estão certos, em fazer histórias mais simples, para um público mais jovem e infantil, e se nós, da velha guarda, não devemos deixar para trás os títulos que acompanhamos durante anos, de nossa infância a vida adulta….

  4. André Alves disse:

    Esse post me fez compra essa revista, e adorei o que eu li. Tenho que passar aqui para agradecer a recomendação.

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