Tom King: destruidor de infâncias

Mais uma história assinada por Tom King incita debates acalorados nas redes socais. Alguns acreditam que o autor é uma máquina de destruir infâncias.

Christopher Chance, o Alvo Humano (Human Target), personagem criado em 1972 por Len Wein, Carmine Infantino e Dick Giordano, apareceu muito pouco por aqui. Coadjuvante nas revistas do Batman nas décadas de 1970 e 1980, só teve um pequeno destaque em 2006 quando a editora Opera Graphica publicou uma minissérie que originalmente havia sido publicada em 1999, assinada por Peter Milligan para o selo Vertigo.

A série da Vertigo, a edição anunciando a série de TV da ABC e a divulgação da série de TV da Fox.

Nos EUA o personagem, apesar de obscuro dentro do panteão de heróis da DC Comics, foi protagonista de duas séries de TV, uma de 1992 com 7 episódios (ABC), e outra de 2010 com duas temporadas e 25 episódios no total (Fox). Nas duas ocasiões a editora lançou títulos solo do personagem que duraram algumas edições. Em todas as versões Christopher Chance ganha a vida assumindo o lugar de seus clientes que estão sendo ameaçados de morte. Ele usa máscaras de látex e equipamentos que alteram sua voz (ao estilo Missão Impossível), e, além de se colocar na linha de tiro, desvenda o mistério por trás das ameaças de morte.

Em 2021começou a ser publicada a uma nova série com o personagem em 12 edições com roteiros de Tom King e arte de Greg Smallwood, mas que é um mergulho na Liga da Justiça Internacional (LJI) dos anos 1980, já que a história traz de volta boa parte dos personagens, da dinâmica e das pontas soltas desse grupo. A LJI formada por personagens como Guy Gardner, Caçador de Marte, Besouro Azul, Gladiador Dourado, Gelo, Fogo, Soviete Supremo, entre outros, foi um grande sucesso de público, com roteiros de Keith Giffen e J.M DeMatteis, e arte de Kevin Maguire. Os criadores assumiram um tom de humor e deram ênfase aos conflitos pessoais dos personagens e à interação entre eles, deixando aventuras e missões heroicas em segundo plano.

Na minissérie, Tom King usa o Alvo Humano como condutor de uma clássica história noir. Chance, trabalhando para Lex Luthor, é envenenado e tem 12 dias de vida para descobrir quem o matou ao tentar matar o seu cliente. Um membro da Liga da Justiça Internacional é seu palpite mais consistente, mas antes mesmo dele partir em buscar de respostas, uma mulher fatal (a Gelo da LJI) aparece no seu escritório dizendo que pode ajudá-lo a encontrar o responsável. A cada edição os personagens da LJI vão aparecendo e os conflitos entre eles ressurgem.

Tora Olafsdotter (Gelo), personagem criada para o título da LJI, era a ingênua que servia de contraponto ao seu interesse romântico, o Lanterna Verde Guy Gardner. Já na série noir de Tom King ela é a mulher fatal, traumatizada, fria e manipuladora, que se apaixona pelo protagonista e vê nesse amor uma oportunidade de redenção. A construção do envolvimento entre Tora e Chance é bastante delicada, assim como o desfecho. Outras histórias de Tom King investigam as várias facetas do amor: em Sr. Milagre o protagonista abre a história com uma tentativa de suicídio e o amor de Barda o salva da depressão e da crise existencial; em Estranhas Aventuras, Adam Strange usa seu amor pela família para justificar atrocidades. Mesmo na sua fase do Batman, os temas do trauma psicológico e do amor são centrais.

Outro elemento forte da narrativa é a arte deslumbrante de Greg Smallwood. O cenário atemporal com uma estética dos anos 1960, com uma divisão dura entre luz e sombra em quase todas as cenas (especialmente no rosto dos personagens), vai além do noir. A sombra aparece sempre como uma variação de cor e nunca uma ausência total da luz, indicando tanto a linha que separa bem a mal, quanto a proximidade entre certo e errado. As expressões dos rostos dos personagens são muito bem desenhadas. Lembram bastante essa mesma característica da arte de Kevin Maguire na Liga da Justiça Internacional.

Nos EUA saiu uma edição chamada Tales of the Human Target que foi publicada entre o número 6 e 7 da minissérie (por causa de atrasos), apresentando encontros anteriores de Christopher Chance com Guy Gardner, Fogo e Gladiador Dourado. Com roteiro de Tom King e artes de Kevin Maguire, Rafael Albuquerque e Mikél Janin, embora não seja essencial para a trama da minissérie, a edição é bastante divertida. Não sei se esse material vai entrar no encadernado da Panini, mas deveria.

Previsivelmente, gibitubers, twitteiros e redpillers nos EUA, que cresceram lendo a Liga da Justiça Intenacional e tem uma forte relação afetiva com os personagens e com o humor dos roteiros de Keith Giffen, criticaram duramente a caracterização que Tom King deu para Guy Gardner e o Caçador de Marte. Na minissérie o Lanterna se comporta como um ex-namorado ciumento e machista, e J’onn J’onzz como alguém que tem vergonha de seu passado. Elementos desses comportamentos dos dois personagens já existiam nas histórias da LJI nos anos 1980, mas quando lemos um gibi quando somos crianças ou adolescentes, dificilmente temos condições de entender todas as nuances do comportamento dos personagens. Nos falta maturidade para compreendermos com profundidade. A revolta dos “fãs” é também (ou é ainda) falta de maturidade – um adulto agindo assim é lamentável. É o Tom King trabalhando para aumentar a clientela dos consultórios de psicologia!

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