A carta de Alan Moore para o Brasil

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Leia na íntegra a carta de Alan Moore para o Brasil. 

Você pode ler o texto original aqui. 

Tradução de Gabriela Franco

Querido Brasil,

Estamos esgotando rapidamente nossas chances de salvar o planeta e seus habitantes. Nosso mundo está mudando mais rápido do que nunca, e nos forçando a nos adaptar ainda mais rapidamente, se quisermos sobreviver. Passamos de uma sociedade de caçadores-coletores à agricultura, da agricultura à indústria, da indústria  para o que quer que esteja tomando forma agora – essa nova condição para a qual ainda não temos um nome – a humanidade já viu esse tipo de mudança monumental antes, embora não com tanta rapidez. Essas transições não são causadas só por forças políticas, mas pelos movimentos da maré irrefreável  ​​da história e da tecnologia, maré essa que podemos aproveitar e navegar ou sermos simplesmente tragados por ela. A Terra está girando, se transformando em um novo lugar, e tudo o que podemos fazer é girar com ela ou então perderemos a biosfera que nos sustenta para sempre. A maioria das pessoas, acredito, tem isso como certo, em seu íntimo.

E, no entanto, nos últimos cinco anos, temos visto em todo o mundo o ressurgimento feroz de ideias políticas e econômicas que nos levaram diretamente a essa situação, claramente desastrosa. A investida indisfarçável desse avanço de extrema direita me parece tão forte, e ao mesmo tempo tão desconectada de qualquer realidade, que só pode nascer do desespero; o medo histérico sentido por aqueles que ocupam as posições de poder do velho mundo, que sabem que o novo mundo pode, em última instância, não ser lugar para eles. Temendo por sua própria existência, pela existência da visão de mundo da qual se beneficiam, eles encheram o cenário mundial ao longo desta última meia década com personagens de uma pantomima cada vez mais barulhentos, exagerados e desequilibrados, para que suas ações, por mais corruptas ou desumanas que sejam, e sua linha de raciocínio, por mais absurda que pareça, sejam encaradas como algo normal.

Descaradamente monstruosos, eles perseguiram minorias raciais e religiosas, povos nativos, os pobres, as mulheres, pessoas LGBTQIA+ ou todas as anteriores. 

Durante a pandemia, em crescente evolução, eles priorizaram a politicagem e a economia em detrimento da segurança da população, o que acarretou em centenas de milhares de mortes; centenas de milhares de famílias assoladas, comunidades inteiras destruídas.  Com seus países em chamas, inundados por enchentes ou mirrados pela seca, eles insistiram na narrativa de que a mudança climática era uma farsa esquerdista para atrapalhar a economia e chamaram manifestantes ambientais e sociais de terroristas.

No melhor o estilo circense fascista inspirado no italiano Silvio Berlusconi, observamos a perigosa farsa subversiva de Donald Trump nos EUA e as faustosas imoralidades de Boris Johnson e seus substitutos (atuais) no Reino Unido. E, claro, o Brasil teve Jair Bolsonaro.

Embora nós, deste lado do mundo, tenhamos contribuído muito mais do que deveríamos com figuras políticas horríveis para a situação atual, não conheço ninguém com o mínimo de consciência e compaixão que não esteja chocado com o que Bolsonaro, lambe-botas do Trump,, fez ao seu enorme e belo país, sem contar com o que ele ele insiste em fazer com nosso relativamente pequeno e ainda, de alguma forma, belo planeta. Assistimos desesperados enquanto, seguindo a cartilha de seu mestre estadunidense, Bolsonaro criticou os povos indígenas do Brasil, a população LGBTQIA+, negou às mulheres o direito a abortos seguros, alimentando uma fogueira descontrolada de ódio como distração para implementar seus interesses sociais e econômicos, ao mesmo tempo que  induzia a uma cultura armamentista. Nós presenciamos seu discurso durante a pandemia, cuspindo sua idiotice antivacinação, e acompanhamos o crescimento das áreas preparadas às pressas em cemitérios, para enterrar as pessoas no Brasil; aquelas valas tristes em solo cinza, com flores mortas aqui e ali e lápides mal e porcamente pintadas.

Também observamos enquanto ele respondia à perspectivas de novas leis ambientais internacionais simplesmente acelerando a destruição suicida da Amazônia, sufocando nossa atmosfera com a selva em chamas, deslocando ou dispersando pessoas que viviam nessas regiões há gerações e aparentemente contribuindo ou fechando os olhos para o assassinato de jornalistas que investigavam essa brutal limpeza étnica. Uma respeitada revista científica britânica que eu assino, a New Scientist, recentemente descreveu as eleições iminentes no Brasil como sendo um ponto sem retorno na batalha de vida ou morte de nossa espécie contra a catástrofe climática com a qual nós mesmos contribuímos.

 Trocando em miúdos, ou Jair Bolsonaro continua a lucrar e a satisfazer os interesses econômicos e corporativos daqueles que o apoiam, ou nossos filhos e netos não vão poder comer ou respirar no futuro. Ou uma coisa ou outra.

Como anarquista que sou, confesso que existem pouquíssimos líderes políticos cujo trabalho eu tolero e muito menos endosso, mas de tudo o que ouvi e li sobre ele, Luiz da Silva, Lula, parece ser um desses indivíduos raros. Suas políticas parecem ser justas, humanas e práticas e, pelo que entendi, ele prometeu reverter muitas das decisões desastrosas de Bolsonaro. Reparar os danos desses últimos cinco anos certamente não será fácil, muito menos barato, e Lula vai assumir um cenário político completamente desfigurado.. No mínimo, porém, de onde estou, pelo menos vejo que ele tem o olhar de um candidato que reconhece que a humanidade está passando por uma de suas raras transformações críticas e percebe que devemos mudar a maneira como vivemos, se quisermos sobreviver.

 Ele parece ser um político comprometido com o futuro, com o trabalho árduo e oferece possibilidades justas e maravilhosas, ao invés vez dos terríveis e destrutivos espasmos de morte advindos de um passado insustentável.

O equilíbrio da  próxima eleição do Brasil está, segundo me disseram, sobre o fio da navalha  e, conforme discutido acima, o mundo inteiro está apostando nela. Se você já gostou de algum dos meus trabalhos, ou sentiu alguma simpatia pela verve humanitária abordada neles, por favor, vá e vote por um futuro que seja satisfatório para os seres humanos, por um mundo que seja mais do que a latrina dourada do sistema e seus fantoches.

Deixemos as iniquidades dos últimos cinco, ou talvez dos últimos quinhentos anos, para trás.

Com amor e confiança,

Seu amigo,

Alan Moore x

 

Sobre Picareta Psíquico

Uma ideia na cabeça e uma história em quadrinhos na mão.
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2 respostas para A carta de Alan Moore para o Brasil

  1. Rodrigo Cronwell disse:

    É um alívio quando alguém que admiramos também busca mesmos valores que os nossos!

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