A vida em ‘O dia de Julio’

Conheça a hq de Gilbert Hernandez publicada no Brasil pela editora Nemo.

A HQ narra os cem anos de Julio que nasceu em 1900 e faleceu em 2000, acompanhando momentos importantes do século XX. Julio faz parte de uma humilde família de imigrantes latinos que foram tentar a vida nos Estados Unidos. 

A família de Julio é apresentada antes mesmo da história começar, é bem legal ter esse conhecimento prévio dos personagens, pois facilita a compreensão da história e faz com que Hernandez não perca tempo (e nem quadros) apresentando os familiares, isto porque o autor tem uma maneira peculiar de narrar os fatos em uma HQ relativamente curta.

Logo na primeira na página o quadrinho mostra o nascimento de Julio de forma muito interessante: um quadro escuro que se transforma na boca do recém nascido Julio junto de sua mãe e familiares. Quatro páginas depois o protagonista já anda aparentando ter por volta de quatro anos de idade. 

O nascimento de Julio

A família de Julio

O ritmo narrativo de O dia de Julio é dinâmico e fluido, o autor está preocupado em contar o dia a dia das pessoas comuns, e que por serem comuns não deixam de ser menos importantes do que qualquer outra pessoa. Além do fato de ser uma HQ de 100 páginas, Gilbert Hernandez explora de forma sagaz cada quadro e balão de fala, além de nos brindar com desenhos incríveis, tudo isso contribui para que a história não caia na superficialidade. 

O pai de Julio

Julio teve uma infância comum, também passou toda a vida no mesmo lugar, apenas trabalhando e sempre morando junto de sua mãe. É interessante observar a partir do ponto de vista do protagonista como o seu povoado foi sendo modificado com o passar do tempo, familiares e amigos foram morrendo, novos membros da família nascendo, juntamente com as transformações sociais do século XX. A morte é um elemento muito presente na narrativa de O dia de Julio, principalmente pelo fato de Julio ter sido um homem que viveu muito para os padrões, logo ele foi observando como a vida passava a sua frente independente de sua vontade, e como tudo tinha um começo e um fim. 

Julio e seu amigo Tommy

Industrialização, duas Guerras Mundiais, Guerra do Vietnã, o movimento hippie, a liberdade sexual, entre outros, vão aparecendo na história e nos situando no tempo, mas nada disso é contextualizado detalhadamente como em muitos formatos narrativos tradicionais, mas sim através das falas dos personagens, pessoas comuns que buscam entender o que está se passando, isso nos faz compreender esses acontecimentos do século XX de maneira diferente, muito mais através de sensações e expectativas humanas.

Sobretudo, por mais que a narrativa comporte momentos ímpares do século XX, O dia de Julio fala de pessoas e também sobre nós mesmos. Julio é um homem comum sem filhos, que segue uma vida pacata junto de sua família, com poucos amigos, na verdade apenas um único grande amigo, e que ao envelhecer vai percebendo como o ciclo da natureza humana vai variando de pessoa pra pessoa, onde cada um tem seus próprios objetivos. Além disso, Julio também presencia muitas mortes e traumas de familiares e colegas próximos, seja em decorrência das guerras ou da perversidade de um parente próximo. Quanto mais ele vive, mais se encontra próximo da morte, quase sozinho, se não fosse pela constante presença de sua mãe. 

É sempre muito interessante quando uma HQ nos faz refletir sobre a vida cotidiana e seus obstáculos, a vida do ser humano comum. O dia de Julio fala de coisas que não podemos ignorar como a velhice, o tempo vivido, as oportunidades, a amizade, guerras, a solidão, alegria de viver, vingança e a morte. Ao ler esse quadrinho é comum se fazer a seguinte reflexão: como se encontra a minha vida atualmente e o que tenho feito até aqui? Será que valeu a pena? O dia de Julio leva-nos a refletir sobre o que de fato nos faz bem e o que vale a pena ser vivido até o nosso último dia de vida.

Sobre Goes Murdock

Teve suas faculdades psíquicas ampliadas ao entrar em contato com as Luzes Captológicas. Nos bares de São Paulo, entre um vinho e outro, não se cansa de dizer aos amigos o poder transformador dos quadrinhos. Ler e escrever é uma necessidade diária assim como comer, e mesmo rodeado de cardápios culturais sente fome de conhecimento.
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