Um traço do imaginário americano pode explicar o sucesso do filme.
Apesar do novo filme da Mulher-Maravilha ser, na melhor das avaliações, um filme mediano, é um sucesso de público confirmado pelo anúncio da Warner de que haverá um terceiro filme da franquia, único dos filmes do chamado DCEU a conseguir essa façanha.
Vários fatores poderiam explicar isso. O sucesso do primeiro filme. A importância feminista. A mensagem otimista em meio a um ano sombrio.
Mas creio que há um fator mais importante, talvez determinante, que explicaria o sucesso de um filme tão fraco, e isso está na escolha do antagonista do filme.
Não exatamente Maxwell Lord, interpretado por Pedro Pascal, que, apesar de ser um excelente ator, entrega um desempenho no nível do filme, mas sim na ideia que ele representa, ou seja, a realização de desejos sem nenhum esforço ou mérito, e isso vai diretamente ao encontro de um dos temas mais caros para o imaginário americano: o culto mítico do dinheiro, como afirma Wunenburger.
Dinheiro não deve ser entendido somente em seu sentido literal, mas também como riqueza, abundância, como a concretização de desejos, ou, dito de outro modo, como o meio que permite a realização de desejos.
Um dos valores mais caros para esse imaginário é a ideia do Sonho Americano, de que os Estados Unidos são um lugar propício para o desenvolvimento das habilidades individuais de cada um, onde cada pessoa pode desenvolver-se plenamente por meio do trabalho, uma espécie de utopia liberal. As raízes disso podem ser encontradas na origem protestante dos Estados Unidos, onde o trabalho é um valor ético essencial. Basta lembrarmos o célebre livro de Weber, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (1905).
O culto mítico do dinheiro em seu aspecto positivo é a ética protestante alinhada ao espírito do capitalismo: enriquece-se por meio do trabalho, e isso é um sinal de Deus.
No filme vemos o exato oposto, o culto mítico do dinheiro em seu aspecto negativo: o enriquecimento ou a realização de desejos sem nenhum esforço ou mérito pessoal, que no filme desencadeia o caos em escala global, é visto como algo maléfico.
A sequência inicial do filme é um prenúncio de toda a narrativa: Diana deve aprender que a vitória deve vir do esforço genuíno, não de trapaças (ainda que a solução da jovem princesa amazona pudesse ser vista com um exemplo de outro elemento fundamental do imaginário americano, a engenhosidade americana…).
Para superar o caos, deve-se abrir mão de seu desejo ganho sem esforço ou mérito, nos ensina o filme, com a protagonista abrindo mão de seu desejo, ato que é repetido pelo vilão Maxwell Lord e em escala global.
Claro que essa é uma trama extremamente simples, que se repete em boa parte da produção cinematográfica americana, onde problemas estruturais, sistêmicos, são reduzidos a simples atitudes individuais, tanto na sua causa quanto na sua superação.
Mas a questão é como Mulher-Maravilha 1984 conseguiu conectar-se com esse traço do imaginário americano, criar ressonância com seu público, e esse é o mérito do filme Patty Jenkins, que além de dirigir também assina o roteiro ao lado de Geoff Johns e Dave Callaham.
Achei que o filme não foi bom como o primeiro, mas é um bom filme. Acredito que outra coisa que chama a atenção é a parte final (o que não vou dizer para não dar spoiler), mas que muitos de nós fizemos para ter dinheiro, sucesso, mas perdemos coisas tão essências que acaba por não justificar o sucesso. Ao meu ver, é um grande ponto de reflexão do filme. No mais, parabéns pelo texto!
Concordo que o primeiro filme é melhor. Obrigado e volte sempre! 🙂