Tintin e os ataques à Bruxelas: Um símbolo

Tintin Belga

do twitter de @klairemac94

 

 

 

Quando a empatia evoca velhos nacionalismos.

O jornalista mais famoso dos quadrinhos europeus, apesar de falar francês, é Belga. No Brasil há essa imensa confusão, afinal na Bélgica se fala Francês, Alemão e Flamengo, mas as histórias, como “O Cetro de Ottokar”, são trazidas pelos francófonos.

Essa pequena nota traz à tona um movimento que, horas após os atentados à Bruxelas, já se formava. Imagens do Tintin chorando foram publicadas, principalmente, via Twitter.

Independente do tamanho, o movimento chegou a atrair a atenção de alguns veículos de comunicação como o El país, Vox, Huffington Post e o Newsweek. Sem dúvida que os ataques serão foco de longas reflexões e debates, todos tentando encontrar uma resposta. Mas chama a atenção o Tintin ser evocado como simbolização imediata.

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Claro que alguns tweets remetem a outro símbolo, especificamente de Bruxelas, o Manneken Pis. A pequena estátua de um menino urinando, por si só, evoca uma porrada de histórias sobre sua razão de existir, incluindo um mito sobre coragem de um pequeno duque de apenas dois anos, que ao ser usado como estandarte em uma batalha, passou a urinar sobre os inimigos.

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Mais do que quais foram as imagens usadas, inquietante é o fato de usarem o Tintin nesse simbolismo. Dentre os diversos personagens estudados por tantos pesquisadores, o jornalista belga é tradicionalmente escolhido para ser analisado pelo seu racismo e eurocentrismo. É razoavelmente fácil encontrar teses e dissertações que questionam o imperialismo e o modo como outros povos são retratados.

É difícil de defender Hergé. Ele tem uma história, sobre o Congo Belga, no qual mostra os negros como “uma raça inferior”. Devemos localizar o momento histórico no qual ele foi escrito, entre 1930 e 1931, o que facilita entender o tom colonialista, mesmo que não torne a questão mais deglutível. Mas não seria estranho compreender que ele era um Belga burguês que nunca saiu do seu país e tudo que lia sobre outros povos, vinha de exploradores e viajantes.

Em 1946 a história foi reescrita e redesenhada, para se adaptar ao padrão de 96 painéis, o padrão da Casterman, a editora das Aventuras de Tintin. Nessa nova edição muitas coisas foram alteradas no que toca ao imperialismo e racismo, mas ainda ecoa muito o discurso e compreensão de mundo da edição original. Justamente por isso que ainda existem tantas discussões sobre o Tintin e, em especial, sobre essa história.

Veja que o desenho do menino negro lembra muito as caricaturas de Black Face comuns do cinema da época.

Veja que o desenho do menino negro lembra muito as caricaturas de Black Face comuns do cinema da época.

 

Vale indicar que diversas bibliotecas ao redor do mundo retiraram esse fascículo do seu acervo público, além do debate ressurgir com frequência, inclusive em espaços jurídicos. Na própria Bélgica de tempos em tempos a polêmica é reacesa, sendo curioso que em 2012 a questão foi novamente discutida. A notícia sobre um estudante congolense que processou a editora dos álbuns de Tintin pode ser lida com detalhes, em inglês, aqui no The Guardian.

Justamente por esse eterno embate sobre as histórias do Tintin serem eurocêntricas e imperialistas é que chama a atenção ele estar se tornando um símbolo de empatia à Bélgica. Assim como o caso do Charlie Hebdo, vemos que há uma nova encruzilhada sobre quadrinhos e política. Fica sempre a pergunta se o correto é aceitar que há uma circunstância histórica e social na qual a história foi escrita, e portanto é legitimo usar o símbolo, ou se devemos buscar novos personagens que sejam capaz de responder de maneira ampla às angústias.

 

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8 respostas para Tintin e os ataques à Bruxelas: Um símbolo

  1. Reproduzindo aqui o comentário que fiz la no grupo do Balão de Fala.

    Belo ponto levantado. Me fez lembrar também que nós temos nosso próprio Tin Tin e nosso Hergé. Chamam-se Emília e seu escritor é Monteiro Lobato.

    E talvez esse paralelo ajude a responder a pergunta do seu texto. Na minha opinião, pessoas reais e alguns personagens bem escritos são multifacetados, são uma mistura de idéias que formam o mosaico de sua personalidade.
    Monteiro Lobato e seu alter ego Emília são racistas. Isso é fácil de ver em diálogos com Tia Anastácia que hoje soam tão absurdos que se focarmos somente nesse aspecto jogaremos Reinações de Narizinho pela janela.
    Contextualizando, podemos derivar esse comportamento da cultura a qual Monteiro estava imerso. Era a cultura do filho de fazendeiros de café , no final do século XIX , do conservador interior paulista.
    Ao mesmo tempo, como podemos ignorar o escritor que produziu os primeiros livros infantis genuinamente brasileiros? Como ignorar o homem que chamou seus leitores a um esforço coletivo para resgatar todas as lendas e casos do Saci , resgatando essa memória perdida? Um cara que , já velho, bateu de frente contra a aristocracia brasileira, políticos poderosos como Getúlio Vargas e sofreu com isso.

    Assim acredito que ocorre com Tin Tin e Hergé. Tal qual Monteiro e Emília eles figuram no imaginário nacional. Seus erros devem ser apontados, eles não devem ser colocados no olimpo dos homens perfeitos e inatingíveis. E sim, devem nos lembrar de que não existem humanos 100% bons ou ruins, que temos defeitos, e que enxergar esses defeitos nos ajuda a melhorar.

    De modo que, quando eles são lembrados para representar um país, .não é por conta seus erros, mas por fazerem parte da história desse povo.

    • Sidekick disse:

      Excelente reflexão Felipe!
      Acho que é o mesmo percurso que tentei fazer no meu texto. Sua conclusão é sem dúvida alguma crucial.
      Levantei a questão, e não respondi, justamente pq creio que a amplitude é um pouco maior. O único problema que vejo, tanto no caso do Monteiro Lobato como do Tintin, é que se não tomarmos essa atenção ao contexto original, podemos acabar reproduzindo a parte não legal do discurso.
      Mas enfim, isso jamais invalida ou questiona essa importância formativa que você indicou. Sem dúvida esses, assim como outros autores, são importantes para a literatura como um todo!
      Fica aí o convite para vc publicar aqui no nosso espaço de redshirt!
      abraços!

  2. Túlio Vilela disse:

    Parabéns pelo artigo! Tintim é maior do que Hergé! Trata-se de um personagem amado em várias partes do mundo, o que acaba fazendo com que ele exerça o papel de uma espécie de “embaixador” da Bélgica. Não só Tintim, mas outros personagens como Milu e o Capitão Haddock são muito populares.
    Sim, sei dos estereótipos racistas e do discurso colonialista em “Tintim no Congo”, até comprei o álbum e usei alguns trechos numa aula sobre neocolonialismo para os meus alunos do nono ano, mas o trabalho de Hergé amadureceu muito depois dessa fase inicial.Prova disso é o álbum “O Loto Azul” (rebatizado “O Lótus Azul”), que é uma aula de geopolítica e com críticas tanto ao neocolonialismo britânico quanto à ocupação japonesa na China durante as décadas de 1930 e de 1940.
    Abraço!

    • Sidekick disse:

      excelente!
      Como vc usou em aula o Tintin no Congo? Fiquei curioso? Foi justamente comparativo?

      • Túlio Vilela disse:

        Selecionei um trecho em que o carro do Tintim colide com um trem onde estão os nativos. O trem fica caído no chão e o Tintim fica dando ordens e xingando os nativos de preguiçosos.
        Antes de lerem esse trecho da HQ, eu já havia começado o tema do neocolonialismo e já havia passado uma atividade com um trecho de um livro “O Fantasma do Rei Leopoldo.”
        Quanto à HQ, passei questões simples onde os alunos tivessem que identificar elementos racistas, estereótipos (conceito que tive que explicar para eles) etc.
        No geral a série gostou da atividade e muitos queriam até ler a HQ inteira. O curioso foi um aluno negro que olhou para os quadrinhos e deu risada, dizendo que os nativos se pareciam com a vó e uns tios dele.
        Abraço!

  3. Britto disse:

    Belo artigo, admiro sua imparcialidade. Estou totalmente de acordo com os comentários já publicados. Tem muita gente que fala da obra de Hergé sem sequer ter lido, apenas propaga o que ouve. Mas o autor (assim como os comentaristas aqui) mostrou propriedade no assunto.

    Costumo lembrar a quem critica a obra que houve uma evolução no decorrer dos anos em que Tintim foi publicado. E essa evolução, que pode ser vista não só no traço, como na densidade do texto, reflete o amadurecimento do autor. Hergé não foi santo, mas teve a humildade de reconhecer seus erros e pedir desculpas, tanto é que não queria que Tintim no Congo e No País dos Sovietes fossem re-editados. Para ele, ambas as obras deveriam ser esquecidas.

    Quem lê Tintim em ordem cronológica pode notar que Hergé não insistia no erro. Vide o contraste entre a relação com os negros em “Tintim no Congo” e “Perdidos no Mar” (Carvão no Porão), publicado décadas depois, ou a crítica ao totalitarismo em aventuras como “O Cetro de Ottokar”, “O Caso Girassol” (que fazem referência. Hitler, Mussolini e Stalin) e “Tintim e os Tímpanos” (que revisita a ditadura de “O Ídolo Roubado).

    Enfim, Tintim sobreviveu ao seu criador e às polêmicas. Em sua essência, ele é um símbolo de solidariedade apropriado para o momento.

    • Sidekick disse:

      excelentes apontamentos!
      Muito obrigado pelos elogios, buscamos sempre o melhor conteúdo para os nossos leitores. E essa imparcialidade vem de maneira genuína, pois tb me peguei pensando no pq usar as imagens ou não do Tintin. No fim, pelos mesmos argumentos aqui colocados, divulguei na minha página pessoal a imagem que abre o texto.
      Espero que outros textos e reflexões suscitem a mesma empatia!

  4. Stefano disse:


    Quem se beneficia com o crime ? Escolha! (atenção, há uma armadilha)
    Israel-EUA-Bélgica-O endoutrinado

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