Oh Puxa… Minduim, seu Beagle e as múltiplas dimensões

Antes de começar a ler dê o play neste vídeo e deixe o som te contagiar enquanto você lê:

Agora sim. Estando contagiado pelo excelente som do Vince Guaraldi Trio podemos falar da notícias mais importante do ano. E do ano que vem também. Isso pode ser consequência de uma ligação pessoal/íntima com o personagem, mas acho que não sou o único. Só para vocês verem como é algo sério essa minha ligação, assistam o episódio “Orgulho de Prateleira” da série Viciados em Quadrinhos, aqui o link.

Mas eis aqui o motivo do post: Está confirmado para 2015 o filme em 3D do Peanuts!

É felicidade que não cabe só no corpo! é preciso extravasar!

É felicidade que não cabe só no corpo! é preciso extravasar!

Os Peanuts fizeram parte direta na minha educação e formação de caráter. Meus melhores momentos eram os de leitura, em especial de quadrinhos, e de assistir repetidamente os curtas do Charlie Brown e sua turma. Quantas vezes não assisti e me senti parte das viagens de férias para os acampamentos mega competitivos, ou então comemorar a vitória nunca conquistada nas olimpíadas do colégio… No fundo, que Nerd não se sente um pouco como o Minduim ? Tem a sua ruivinha e vive frustrado por seus traumas.

redheadCharlie

Quem nunca teve aquele amor pueril frustrado… principalmente se for um nerd

Fui começar a ler as tirinhas já bem mais velho, mas passei a associar essa leitura com Jazz. Acabei virando um grande fã de Jazz instrumental por causa do Schroeder, mesmo o personagem sendo um defensor da música erudita, afinal a trilha continha muita coisa do Vince Guaraldi. E isso é digno de nota: os especiais de natal e curtas do Charlie Brown geraram um ambiente próprio de vendas de álbuns, logo há, mais uma vez aqui, a relação dos quadrinhos com a música (assim como comentei aqui) , mesmo que seja através da sua versão animada. Segue aqui o link para ouvir um dos álbuns de nata e abaixo uma das músicas do CD do Wynton Marsalis e Ellis Marsalis em homenagem ao Snoopy, o mais puro jazz.

Pois bem, acho que mais do que especular sobre o filme, que apenas foi confirmado e foi lançado seu primeiro teaser, queria falar um pouco sobre os personagens em si e as múltiplas dimensões do quadrinho/desenho. Ele foi fruto de uma época muito característica dos quadrinhos, no qual as tirinhas imperavam. Junto com Garfield, Recruta Zero e Calvin e Haroldo, são as tiras de maior distribuição e fama em todo o mundo. Isso representa ser um ícone, de fato, mundial, e no caso do Snoopy acho que se tornou um dos mais difundidos de todos.

A empatia e o modo lúdico de Schulz encantaram e encantam até hoje, por transmitir de maneira pura, quase inocente, os valores mais delicados e importantes da essência humana. É uma mensagem diria até religiosa, mas como mostram os especiais de natal, uma que extrapola a idéia de uma única divindade ou compreensão de fé e abrange os pressupostos mais reais. Fala da criatividade, da amizade, da confiança, da necessidade de se ter laços de intimidade.

A confiança chega aos limites da confidencialidade.

A confiança chega aos limites da confidencialidade.

Schulz jogava muito com as questões psicológicas, e justamente por isso que existia a Lucy. Mas mais do que os as lamúrias depressivas de Charlie, vemos muito esse ponto nas brincadeiras do próprio Snoopy, sempre muito emotivo. Ele inclusive brinca com a multi personalidade inerente do humano, através do Beagle. Transformando-o em escritor, ou num cara descolado do jazz (vide a música do álbum do Marsalis que eu escolhi e puis no link), ou num ás da primeira guerra mundial (aqui um link para a batalha entre o às e o Barão Vermelho), ou num patinador quase olímpico, ou tantos outros… É um cachorro mais humano que muitas pessoas por aí.

Essa faceta toda psicológica assume assim uma intenção muito forte na formação de identidade. Ele é um constante lembrete de que não podemos deixar de imaginar e sonhar, de viver aquilo que queremos ser. E não quer dizer que precisamos abandonar nossa vida de cachorrinho do Charlie Brown para nos tornarmos o Joe Cool, mas podemos viver isso nas rupturas do nosso cotidiano (lembrando do Michel de Certeau). Essa lição é tão válida para a criança, dizendo que ela não pode deixar de ser criança, como para o adulto, de que ele não pode virar um BlaBlaBla.

Ele brinca muito com a idéia das multiplas facetas do ser humano, mas através de um cachorro

Ele brinca muito com a ideia das múltiplas facetas do ser humano, mas através de um cachorro

Aliás, se você se lembrar, nenhum adulto aparece no desenho. Nos curtas e especiais, quando os adultos são retratados eles aparecem apenas da cintura para baixo e quando falam só emitem um BlaBlaBlá meio acornetado (ouça aqui). Um cutucão para quem acha bonito ser adulto, sério e responsável, de uma maneira sisuda. Ele, com essa representação, não fere a idéia de respeito, mas faz uma alusão de como uma criança ouve as “chatices” do mundo adulto.

Poderia ainda tomar parágrafos e parágrafos analisando essa questão, mas acho que o melhor exemplo é o Rerun van Pelt. Irmão da Lucy e do Linus, aparece diversas vezes no banquinho de trás da bicicleta da mãe, fazendo seus ensaios filosóficos e essenciais a revelia da mãe. Muitas vezes ele lida com as atitudes da mãe, motorista da bicicleta, como se ele fosse o responsável entre os dois. As noções de tempo e espaço, de existência como indivíduo e de inserção são incríveis. E isso tudo vindo de uma criancinha…

Fazendo uma filosofia quase peripatética, Rerun foge dos perigos colocados pela mãe

Fazendo uma filosofia quase peripatética, Rerun foge dos perigos colocados pela mãe

As visões e cruzamentos ainda são inúmeras e tem a ver com cada um de nós. Talvez essa seja uma das maiores riquezas dos Peanuts. Podemos reler/reassistir sempre, e a cada vez teremos novos tópicos a matutar. Um texto que reflete muito tudo isso, mas está em inglês, é este aqui, do Stanley Crouch, sobre o álbum dos Marsalis (pai e filho) em homenagem ao Snoopy. O curioso é que me identifiquei muito com o texto, e ele traz muitas impressões que também coloquei aqui. Mas gostaria de traduzir um trecho (que estará ao final para quem quiser ler o original) que achei de uma sacada única:

Agora, Charlie Brown e seus amigos e animais são associados por nós como parte de uma longa linha de cartoons que fizeram as pessoas rirem e nos lembrar das nossas vitórias e nossos problemas. Charlie não pode ficar fora do mundo; ele está sempre preso à sua pele. […] Charlie está sempre ficando todo atrapalhado ou sonhando com algo ou tentando algo que não combina com ele. Não importando o quão desapontado ele pode ficar, Charlie  nunca desiste. Ele está sempre lá, tentando.  Isso o torna um herói do dia-a-dia. Ele aceita a dor e a felicidade do mesmo jeito. Cada um é um novo passo para a próxima experiência da sua vida. Não importa o quão manso e inseguro ele possa ser, Charlie Brown tem a alma de um leão que frequentemente ruge o “Oh puxa”!

Segue então, por fim, o Teaser!

Trecho de cima, em inglês:

Now Charlie Brown and the buddies and animals we associate with him are part of a long line of cartoon figures that have made people laugh and that remind us of our victories and our problems. Charlie can’t get away from the world; it’s always stuck to the inside of his skin. The world causes a rash or it’s a mystery or you get goose bumps from the excitement. Charlie’s always getting messed up in something or he’s dreaming of something or he’s trying to do a thing that just won’t work for him. No matter how disappointed he might get, Charlie never gives up. He’s always back out there trying. That makes him an everyday hero. He takes the pain and the joy the same way. Each is a step on the way to the next experience of his life. However meek and insecure he might be, Charlie Brown has the soul of a lion who often hears the roar “Good grief!

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4 respostas para Oh Puxa… Minduim, seu Beagle e as múltiplas dimensões

  1. daniel x disse:

    Foi uma ótima notícia p mim tb. Este, que é um dos desenhos mais adultos e freudianos de todos os tempos, tb fez parte da minha infância.

    Tenho todas as tiras dominicais de 1950 a 1952, e de 1957 a 1958 em livro.

    Se identificar com Charlie Brown? Qual nerd vítima de bullying não se identifica? Eu era o saco de pancadas e bobo da corte em todo meio que frequentava, rsssss. Talvez a forma q Charlie Brown encarava esse tipo de provocação tenha me ajudado na capacitação para lidar com “bullying nosso de cada dia” .

    Outra grande satisfação que tive foi o fato de saber que produção e roteiro estão respectivamente nas mãos de Craig Schulz, e Bryan Schulz. Ou seja, o legado continuou e Peanuts ainda continua sendo “By Schulz”!

    • Sidekick disse:

      Sem dúvida! O carinho com o qual eles lidam com a personagem é único. Isso é o q garante a constante excelência dessa produção!

      Aprender com o Charlie Brown é sempre divertido. Ele, junto com a Mafalda, é que me fizeram entender o mundo que me cerca. E o fazem até hoje…

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