Superman para fãs de Taylor Swift e Steven Universo

Uma graphic novel que reimagina a adolescência de Clark Kent em Smallville, com arte e roteiros de Sina Grace, ganhador do prêmio GLAAD Media Awards (Gay & Lesbian Alliance Against Defamation). As cores são da brasileira Cris Peter.

Antes de falar dessa obra, cabe uma ressalva – talvez você, não seja o público-alvo dessa história em quadrinhos. Isso é importante porque diferentes gerações de leitores de histórias de super-heróis entraram nesse universo em diferentes momentos, quando os temas e as abordagens das histórias eram diferentes das de hoje. E isso sempre acontece com qualquer formato que se estenda ao longo de décadas. Não existe, portanto, um Superman “certo”. Existe um personagem que possui uma lista de características e que vai reagir ao ambiente e aos desafios que esse contexto apresenta (e isso sempre muda com o tempo). A diversão aqui é ver o personagem num cenário novo e acompanhar sua luta interna e externa diante do contexto. Dito isso, sigamos.

Sina Grace escreveu a fase solo do Homem de Gelo (dos X-Men), onde Bob Drake fala abertamente sobre sua homosexualidade, e ganhou notoriedade e prêmios por isso (entre 2017 e 2018). Em 2019 os editores da DC ofereceram pra ele a possibilidade de trabalhar com um dos mais importantes personagens da empresa, e o tempo necessário para que ele pudesse lapidar a arte e o texto (Sina trabalhou nessa graphic novel durante a pandemia). O resultado: Superman: The Harvests of Youth (As Colheitas da Juventude, numa tradução literal), uma história reflexiva, que coloca o Clark Kent de dezesseis anos diante de questões existênciais profundas numa Smallville do século XXI.

O tema principal da história é a mortalidade. Como um ser que não consegue encontrar limites para seus poderes, e portanto é virtualmente imortal, lida com a mortalidade de seus amigos e de seus pais, a fragilidade humana. O suicídio de um colega de escola é o gatilho para essa reflexão. Problemas contemporâneos como a proliferação de grupos de ódio nas redes sociais, o acesso à armas de fogo, o contexto econômico difícil das pequenas cidades que são reféns de grandes corporações que oferecem emprego não sindicalizado, mas não investem no desenvolvimento de longo prazo dessas mesmas cidades, são o pano de fundo.

É comovente ver o jovem e inexperiente Clark Kent cometendo erros, tentando resolver os problemas de seus amigos sem consultá-los (o que nunca dá certo), se envolvendo romanticamente sem saber como agir. Essa fase da adolescência em que novos interesses vão afastando ou ressignificando as amizades da infância é agridoce, e Clark recorre aos pais para saber o que fazer. E eles não têm respostas. Uma das cenas mais fortes da história é exatamente quando Clark busca a aprovação de seu pai e encontra uma atitude agressiva, fruto de uma vivência do passado de Jonathan Kent. Aliás e muito interessante ver a versão de Sina Grace para o casal Jonathan e Martha Kent e da influência que as reações deles diante dos problemas tiveram na formação de seu filho adotivo.

O traço de Sina Grace e as cores delicadas da brasileira Cris Peter lembram muito a arte do desenho animado Steven Universo, da genial criadora Rebecca Sugar. A animação é uma das produções mais sensíveis que eu já assisti, e trata de temas como família, amizade, herança cultural e dores do crescimento, assuntos que também norteiam essa história do Superman. Numa entrevista Sina aponta outra influência – o álbum Folklore, de Taylor Swift – que ele ouviu muito enquanto escrevia o roteiro. As letras das músicas de Taylor Swift dão voz a personagens que falam de solidão, nostalgia e empatia, com uma sonoridade folk evocativa de uma vida de cidade pequena no interior dos Estados Unidos. O álbum foi lançado sem aviso e se tornou um dos grandes sucessos da artista. É a trilha sonora perfeita pra ler a graphic novel.

Uma nova abordagem para um personagem clássico é sempre uma oportunidade de ver a reafirmação de elementos que definem aquele personagem, apresentados de um outro ponto de vista. Aqui, Sina Grace nos mostra o que, na atitude, na reflexão e nas inseguranças de Clark Kent, expressam a esperança que ele simbolizará quando assumir a identidade de Superman alguns anos depois. Um trabalho sensível e em sintonia com as angústias do nosso tempo. Espero que chegue em breve por aqui.

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About Picareta Psíquico

Uma ideia na cabeça e uma história em quadrinhos na mão.
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