João Pimenta apontou essa questão na animação do Super Choque. Mas e nos quadrinhos?

O comediante João Pimenta (João Paulo de Oliveira) usa muitas referências da cultura pop que moldaram sua infância pra construir suas performances. Ele nasceu em 1990 e cresceu assistindo, entre outras coisas, Cavaleiros do Zodíaco, Dragon Ball Z e Super Choque. Nesse vídeo ele afirma que o desenho animado do personagem da Milestone Media continua atual já que os temas sociais abordados nos episódios não foram ainda superados. Mas e nos quadrinhos? Nos muitos reboots do Super Choque, o que se manteve e o que foi modificado?

A primeira versão do personagem nasceu na criação da Milestone Media, em 1992. Idealizada pelos escritores e ilustradores negros Dwayne McDuffie, Denys Cowan, Michael Davis e Derek Dingle, a nova editora havia sido apresentada na San Diego Comic-Con pelo executivo da DC Comics, Paul Levitz,, com a preocupação de aumentar a representação de pessoas negras nas histórias de super-heróis.

Em Static # 2 (1993), acompanhamos a vida escolar do adolecsente Virgil Hawkins que apanha de um membro de uma gangue racista chamado Biz Money. Cansado de ser espancado,Virgil consegue uma arma e segue Biz até o ponto de encontro da gangue. Diante da possibilidade real de ferir ou matar alguém, Hawkins recua. Ele joga a arma no mar e decide ir para casa, mas nesse momento a polícia chega e nocauteia todos com um gás experimental que serviria para marcar os “bandidos”. Todos ficam desacordados, menos Virgil, que ganha poderes elétricos. Diferente de outros heróis como Flash e Lanterna Verde, a história de origem de Super Choque é resultado de um contexto social, e traz para os quadrinhos temas como bullying, acesso à armas de fogo, gangues, violência policial e ausência do Estado.

Depois do fim do selo Milestone em 1997, que foi resultado do estouro da bolha especulativa que tomou o mercado de quadrinhos dos EUA nos anos 1990, a DC tentou dar uma sobrevida aos personagens. Ideias como uma série animada com todos os personagens (como o desenho dos X-Men que fazia sucesso na época), ou um longa animado do personagem Icon, ou um filme live action do Super Choque com uma versão do personagem branco, foram sugeridas sem sucesso. Quando o executivo da Warner, Alan Burnett, responsável pela série animada do Batman, descreveu o personagem como um Chris Rock de 14 anos com superpoderes, Dwayne McDuffie foi chamado para escrever um episódio piloto e o projeto deslanchou, estreando no ano 2000.

Na versão animada de Super Choque (em inglês Static Shock, diferente do Static dos quadrinhos), foram feitas algumas alterações na história de origem do personagem e na sua relação com os personagens coadjuvantes. Virgil continua sofrendo bullying, mas desta vez ele se junta a outra gangue para confrontar seu algoz (nada de arma de fogo nessa versão). A polícia chega para impedir a briga e joga gás para dispersar. As bombas de gás explodem próximas a produtos químicos e essa mistura acidental dá poderes ao personagem (nada de violência policial desproporcional por aqui). Além disso, outros personagens sofreram mudanças, como Richie Foley, o melhor amigo de Virgil, que nos quadrinhos é abertamente gay (na animação isso fica somente implícito), e Frieda Goren, amiga e crush de Virgil, nos quadrinhos sobre com a bulimia (aspecto que não aparece na animação). Mesmo assim, o desenho aborda temas muito diferentes das outras animações da mesma época, como bem apontou João Pimenta.

A animação foi cancelada depois de 52 episódios (número suficiente para ser posteriormente distribuído pelo Syndication, em reprises, etc). O cancelamento não foi causado pela baixa audiência ou pela má qualidade (a animação foi indicada e ganhou vários prêmios), mas por causa da falta de empresas interessadas em comprar a licença para usar os personagens em brinquedos e outros produtos.

Entre a nova origem do desenho animado e um um reboot do personagem, a Milestone publicou a minissérie Static Shock: The rebirth of cool (2001) em 4 edições. Em 2008 a DC integrou o Dakotaverse (universo dos personagens da Milestone) ao universo principal da editora. E finalmente em 2011 o personagem ganhou um título próprio (mas que durou apenas 8 edições) no reboot que ficou conhecido como Novos 52.

As principais alterações na origem do Super Choque em sua versão Novos 52 são o cenário que agora é a cidade de Nova Iorque, o fato de Virgil fazer um estágio no S.T.A.R. Labs, e a presença de um clone da irmã do herói. As histórias são muito mais dependentes de tecnologias desenvolvidas em laboratórios secretos. Conflitos entre os membros da equipe criativa contribuíram para o cancelamento precoce do título.

Depois de anos tentando trazer de volta os personagens sem sucesso, em 2019 um acordo jurídico pôs fim a uma longa disputa por direitos e a DC anunciou para 2020 uma nova fase para a Milestone. Em 2021 vários títulos marcados como “primeira temporada” foram lançados. Escritores e artistas que trabalharam no desenvolvimento das histórias em 1993, como Chris Cross e Denys Cowan participaram do desenvolvimento dessa nova fase.

Em Static: Season one, o evento que leva Virgil Hawkings ao confronto com a polícia e com as bombas de gás experimental que dão a ele superpoderes é uma passeata pacífica do Black Lives Matter. Uma alteração interessante que dialoga com o nosso tempo e retomam o debate sobre temas como a violência policial e ausência do Estado, que foram tão importantes para a criação da Milestone Media.

João Pimenta tem razão, já que a reação dos “fãs” nas redes sociais foi a já conhecida choradeira de que estão colocando política nas histórias do personagem, que agora o Super Choque é WOKE e que a DC é de esquerda (provavelmente financiada pelos Illuminati…). Realmente eu espero que esse tsunami de chorume não influencie a decisão de lançar novas temporadas de histórias dos personagens da Milestone.