As Tartarugas Ninja e a direita americana

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A história das Tartaruas Ninja que critica o pensamento conservador e de direita nos EUA.

Em 2020 a editora Pipoca e Nanquim iniciou a publicação das histórias clássicas das Tartarugas – concluída no final de 2022. Como um fã dos quelônios mutantes, eu não poderia deixar de ter na minha coleção.

As histórias oscilam entre temáticas sombrias e urbanas e outras com uma pegada mais voltada para a ficção científica e fantasia. A violência e desigualdade social da Nova Iorque dos anos 80 coexiste com mutantes, clãs de ninjas, dimensões paralelas, alienígenas etc. e, o mais incrível: coisas aparentemente antagônicas funcionam perfeitamente no mundo criado por Kevin Eastman e Peter Laird. Porém, eu sempre fui mais fã das histórias mais realistas – tão realista quanto pode ser um mundo em que existem tartarugas ninja mutantes adolescentes criadas por um rato e com nomes de pintores renascentistas.

O que nos traz finalmente à edição 12 da série clássica (data de capa setembro de 1987, que consta no volume 3 da edição do Pipoca e Nanquim), chamada Sobrevivencialistas, de autoria de Peter Laird. Nela, as Tartarugas devem impedir um grupo de radicais de direita de explodirem uma bomba nuclear.

tartaruas ninja 12 capa

A história começa quando as tartarugas são abordadas pelo estudante de Física da Universidade de Massachusetts, Michael Murphy, que revela que o grupo chamado “Comitê de Reconstrução do Patriotismo Americano” o sequestrou e o obrigou a construir uma bomba nuclear. O grupo é radicalizado por uma visão delirante da realidade. Entendem que o confronto nuclear entre Estados Unidos e União Soviética está demorando demais. Pretendem detonar a bomba em alguma instalação militar americana, dessa forma desencadeando a guerra que tanto almejam para se provarem dignos – o que só pode ocorrer na guerra.

A partir daí as Tartarugas Ninja entram em uma área florestal para impedir o grupo. O ritmo da história é excelente, quase remontando à uma guerra de guerrilha travada entre Leonardo, Raphael, Michelangelo, Donatello, mestre Splinter, April, Casey Jones e os sobrevivencialistas.

tartarugas ninja guerrilha

No confronto final com o líder do grupo, Skonk, o diálogo com mestre Splinter é digno de nota:

Splinter: Pondere os milhares de inocentes que perecerão se você liberar a fúria da bomba que tem ao seu alcance.

Skonk: Cala a boca, Rex… eu não sigo ordens de ratos pulguentos que nem você. Com esta caixinha aqui, eu tenho poder! E, mesmo que não consiga usar do jeito que planejei… eu vou usar. Além disso… não existe inocente! Todo mundo é culpado de deixar a América escorregar da grandeza até a mediocridade… de permitir que a nossa nação perfeita se tornasse um abrigo para estrangeiros doentios iguais a vocês. O Comitê de Reconstrução do Patriotismo Americano teria mudado isso… a gente teria começado uma maré nuclear de limparia este país… e o mundo.

Peter Laird comenta o discurso de Skonk nos extras da edição do Pipoca e Nanquim (aliás, um dos pontos altos da coleção, os comentários dos autores sobre cada quadrinho presente):

“Seu discurso no quadro central foi muito provavelmente inspirado por alguma loucura de direita que rolava quando fiz essa edição – a essa altura, não consigo mais lembrar o que era. Possivelmente tinha algo a ver com Ronald Reagan e seus amiguinhos”.

tartarugas ninja discurso skonk

Ronald Reagan foi presidente dos Estados Unidos entre 1981 e 1989 pelo Partido Republicano. Líder da direita americana, foi eleito com discurso conservador, associando a crise econômica e social pela qual o país passava às questões de cunho moral, que influenciou como um todo a sociedade americana, de maneira que o período poderia ser resumido em duas palavras: conservador e republicano.

Podemos ver pontos comuns da retórica conservadora republicana americana no discurso de Skonk: a imagem de um Estados Unidos decadente, mas que pode e deve ser restaurado ao seu passado glorioso, a xenofobia, o patriotismo extremista e o pensamento bélico e idolatria às armas e violência. Elementos que foram utilizados na campanha e discursos de Donald Trump, resumidos em seu slogan, Make America Great Again.

Pelo seu ritmo de ação e aventura e o comentário político, a história de Peter Laird merece ser lembrada.

Tinha política até nas Tartarugas Ninja. Desculpe se estraguei sua infância.

Sobre Nerdbully

AKA Bruno Andreotti; Historiador e Mestre do Zen Nerdismo
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