Um dos quadrinhos mais originais de Jeff Lemire.
Apanhadores de Sapos é uma das últimas obras autorais produzidas e publicadas por Jeff Lemire (2019). E neste belo quadrinho o autor apresenta certas mudanças em sua costumeira forma de narrar e construir sua história, o que a torna uma de suas obras mais originais. Podemos identificar no autor dois tipos de histórias muito “repetidas” em suas publicações, que são suas histórias intimistas no interior do Canadá e suas ficções científicas que possuem um tom bastante distinto, inclusive em narrativa. Mas vamos entender melhor o porquê é original nessa obra.
O que consagrou Jeff Lemire no início de sua carreira foram suas histórias autorais, tendo como catalisador o sucesso de Condado de Essex. História onde o autor demonstra sua perspicácia para narrar contos intimistas que remetem a sentimentos e que nos apresentam aspectos de sua infância e suas reflexões a partir dela. Podemos ver, por exemplo, em O Soldador Subaquático reflexões de Lemire sobre a paternidade e em Nada a perder sobre a importância da família. Em seus quadrinhos o autor está sempre rodeado de alguma temática delicada e universal de nossos tempos.
As histórias de ficção científica de Lemire se baseiam em grandes catástrofes e é onde ele costuma fazer outro tipo de comentário, geralmente abrangendo política, sociedade, religião etc., perdendo parte do tom intimista pela escala dos eventos que tocam em tantos temas que fica difícil se aprofundar em aspectos tão específicos da vida em uma obra.

Porém Apanhadores de Sapos rompe em parte a delimitação do autor entre aspectos fantasiosos e sentimentais e une características de suas duas principais vertentes de histórias. O quadrinho se passa em uma cidade do interior vista pela perspectiva de um homem acompanhado de uma criança, porém quase toda a ação da história se dá em um mundo fantasioso e sua visão intimista da vida nos é agora apresentada através de um mundo muito menos literal do que o autor costuma trabalhar em suas histórias autorais.
Quando o quadrinho migra para a narrativa fantasiosa, vemos o protagonista em um hotel cheio de sapos maléficos que o perseguem. Lá ele encontra um garoto que o guia para sair do hotel com sua vida intacta. Infelizmente não é possível dar muitos detalhes da história, pois a narrativa possui poucos diálogos e poucos acontecimentos, contar a história estragaria toda a surpresa.

O interessante é que Apanhadores de Sapos reflete sobre aspectos íntimos com um cunho bastante abrangente como passagem da vida, nossas escolhas morais e até religiosas, que parece ressoar em todos os seus grandes e pequenos trabalhos. No fim quase todos os aspectos de suas histórias passam pelo ciclo que o autor relata em Apanhadores de Sapos.
Um quadrinho muito bem construído com desenhos que possuem um traço mais solto para o que estamos habituados vindo de Lemire, pois foi uma história construída fora dos padrões do autor. Não foi feito roteiro e os desenhos foram produzidos durante intervalos no caderno de rascunhos do quadrinista, tornando todo o processo muito menos estruturado do que é comum nos trabalhos do autor.
Nessa história vemos um Lemire um pouco diferente, com um quadrinho mais leve que de costume. Mas ainda assim em um trabalho de grande qualidade que faz jus às suas obras autorais. Uma história bonita e coerente que explora através de poucas cores e traços leves potencialidades dos quadrinhos que ainda não haviam sido vistas em trabalhos anteriores do autor.

O quadrinho é uma leitura interessante, mas é bom esperar uma boa promoção pois a leitura não passa dos 30 minutos e o preço de capa é de R$69,90 – bastante elevado mesmo a obra sendo interessante.
Em Apanhadores de Sapos podemos sentir um Lemire muito seguro de sua arte e seu estilo abusando do que aprendeu em seus anos de quadrinista e experimentando potencialidades da mídia que sempre dão gosto a um leitor de quadrinhos. Aqui ele rompeu em partes com o realismo narrativo de suas histórias intimistas, mas ainda assim entregou um quadrinho muito verossímil do ponto de vista humano e emocional.