Mais ficção científica nos Ficcioneiros!
Por Gastão Moreira*
2058.
São Paulo, 8h27, 2058. O trânsito flui perfeitamente, como em todos os outros dias e horas da semana. São mais de 10 anos sem acidentes e índice de poluição nível Adão e Eva. Os dois principais rios que cortam a maior cidade da Terra, posto recém-conquistado de Xangai, voltaram a priscas eras. Milhares de peixes riscam suas águas, enquanto a sombra das árvores se contrapõe à monotonia do céu azul.
São Paulo, 13h19, 2058. Não se veem mais pedintes em esquina alguma. Policiais ainda existem, cientes e ciosos de sua função de sorrir para quem passa por eles. O último roubo, assim como o derradeiro homicídio viraram peça de museu, mais parecem conto da carochinha para as crianças e adolescentes, que passam 10 horas por dia na escola e recebem 7 refeições diárias, metabolicamente balanceadas.
São Paulo, 16h05, 2058. Não há mais horas extras, nem chefes. Estruturas horizontais de decisão permitem que todos sejam ouvidos e respeitados em seus trabalhos, foi-se a hierarquia. Imunes à vaidade e ao poder, todos buscam a colaboração e o bem-estar comum, uma vez que o papel moeda acabou aposentado há mais de uma década.
São Paulo, 20h52, 2058. A taxa de mortalidade por doenças mal faz cócegas nas estatísticas e causa bocejos durante o jantar. Filhos penteados e de banho tomado trajam seus pijamas térmicos, prestes a soar a música de ninar com a voz dos pais até os pequenos pegarem no sono.
São Paulo, 23h53, 2058. Para cada um de nós, um teto sobre a própria cabeça e um outro alguém para se aconchegar. Zero déficit habitacional ou emocional. A felicidade é palpável, abandonou a filosofia para finalmente entrar em nossas vidas.
São Paulo, 23h54, 2058. Deitado no receptáculo de dormir 13769BX2925, o humano 13769BX2925. Só, entregue, inerte, vazio. Tem início o processo automático de atualização da realidade virtual. Até amanhã, 13769BX2925.
*Gastão Moreira é redator publicitário há mais de 20 anos e fã do Homem-Aranha e do lendário Fantasma (aquele do anel de caveira) desde sempre. Acredita que tudo se resume à ficção científica: afinal, vivemos em um minúsculo planeta ao redor de uma estrela menor, escanteada num canto da via Láctea de mais de 100 bilhões de estrelas, apenas mais uma galáxia entre dois trilhões que andam soltas por aí. Nenhuma ficção científica pode superar a nossa própria história. Para conversar sobre isso ou o que der na telha, escreva para gastaochateau@gmail.com