E hoje temos um Red Shirt aqui no blog, que preferiu manter sua identidade secreta.
O Estrangeiro debutando aqui nos Quadrinheiros.
São necessárias ressalvas quanto a este post, que são também ressalvas à minha pessoa.
Em primeiro lugar, sou Estrangeiro nestas terras dos quadrinhos – não tenho, portanto, o conhecimento de causa daqueles que hoje me hospedam nestas paragens. Venho de longe e meu discurso tem um olhar admirado com a pátria alheia. Em segundo lugar, como todo errante estrangeiro, não tenho à disposição qualquer biblioteca além daquela feita de retalhos escritos e imagéticos que porto em minha memória.
Dito isso, para que servem os super-heróis?
Essa questão certamente carrega em si outras tantas ocultas. Por exemplo, ela nos obriga a pensar sobre a importância de contar – imaginar – uma história fantasiosa. Somos chamados a pensar sobre criação dos super-heróis e de seus vilões. Por que existem? O que representam? Temos ainda as questões centrais da quase totalidade dos enredos: Por que os heróis se tornaram heróis? Por que os vilões se tornaram vilões? Por que possuem identidades secretas? E o problema que talvez preceda todos os outros – inclusive a interrogação que batiza este texto: São mesmo necessárias essas histórias em quadrinhos e seus heróis?
Ernst Fischer (*1899 – +1972), com sua obra A necessidade da arte, é quem pode nos trazer importante colaboração para refletirmos sobre essas questões todas. Como bom pensador posterior a Nietzsche, Fischer compreende o homem como um ser de desejos. A razão está em segundo plano, primeiro temos de lidar com nossos desejos. Ao se deparar com a natureza, que o limita e torna impotente fisicamente, o homem desenvolve o conhecimento científico para conhecer e dominá-la. Impera aí o desejo humano de superar os limites da inimiga natureza. E é para isso que serve a razão: tornar possível a execução de um desejo.
Entretanto, não importa o quanto tenha avançado a ciência, nem o quanto cuidemos da saúde, a morte é natural para todo ser vivo, inclusive para o homem – que se recusa a participar da natureza pelo exercício da razão.
Como esse limite parece intransponível para a razão, que criou e se põe a recriar a ciência, cabe fazer uso de outra arma: a imaginação. Se não é possível uma natureza sem morte, sem falhas da força gravidade e sem retorno ao passado, o homem se vê obrigado a criar um mundo – imaginário, não-natural – através das artes no qual tudo isso seja possível.
Nele estão representados todos os desejos humanos, sobretudo o de imortalidade, do qual todos os outros são metáforas. Aliás a própria noção de autoria – de uma obra de arte ou de uma teoria científica – é permeada pelo desejo de imortalidade, uma vez que quem realiza uma grande obra atravessa os séculos. Isaac Newton e Leonardo da Vinci, por exemplo, morreram há muito, mas fato é que não se passa um dia na Terra sem que os dois sejam rememorados por alguém.
É possível que, no mundo da pintura, da literatura ou da música, as leis da natureza mudem, que o céu seja verde e as plantas azuis, que os sons se afinem e que a humanidade se realize, tenha paz e encontre a felicidade – para sempre.
No discurso narrativo, do qual faz parte a história em quadrinhos, tem papel fundamental o personagem. Ele não é um indivíduo qualquer dado num mundo de acasos. Aliás, os mundos imaginários são aqueles nos quais as histórias portam sentidos, não há acasos. O personagem representa a humanidade encarnando nossos desejos. Quando Batman derrota o crime em Gotham City, somos nós quem queremos limpar a cidade de uma bando de aproveitadores e descontar neles nossos traumas. Quando o Super-Homem salva Lois Lane de cair do prédio, somos nós quem queremos voar, ter uma super-força, salvar a mocinha ou salvar-se pelo mocinho. E assim com todos os sentimentos e sensações que perpassam essas histórias.
São necessárias as histórias em quadrinhos – tanto quanto qualquer outra expressão artística (imaginativa) ou científica (racional) – porque precisamos representar nossos desejos de vencer os medos, sobretudo a angústia causada por nossa arqui-inimiga, a consciência de que vamos morrer. Daí nossas identidades secretas, os disfarces de leitor, porque os super-heróis somos nós num estado em que nossos desejos são capazes de derrotar as limitações da natureza que nos cerca.
Ótimo texto!
Texto muito interessante!
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