Tenho um costume, já antigo. Ouço as trilhas sonoras dos filmes que gosto, principalmente enquanto estudo. Faço isso pois no geral são músicas complexas e sem letras, o que atrapalharia a leitura de um texto. Elas criam um excelente ambiente musical.
Além disso, a trilha sonora é pensada para criar um clima no filme. Mas a intenção não está vinculada à imagem. Uma boa trilha é capaz de provocar o mesmo clima em qualquer situação.
Sempre gosto de notar as nuances que o compositor coloca na sua obra, principalmente o chamado Tema Central, que nada mais é do que uma célula musical que se repete várias vezes durante o filme. Seria uma sequência de notas que compõem uma melodia, a qual irá se repetir.
É curioso quando um personagem tem um instrumento ou um tema próprio. Um ótimo exemplo está em “O Pedro e o Lobo” de Prokofiev. Eu, como bom filho da geração Disney, gosto muito dessa versão. A abertura é uma exposição didática, ilustrada, do que digo aqui.
Uma das primeiras trilhas que me encantou e me induziu a adotar esse costume é de um dos grandes nomes da música Ennio Morricone. O compositor fez trilhas de uma variedade de filmes, de faroestes até filmes sobre a máfia e gângsters. Tornou-se uma referência particularmente notável quando em parceria com Sergio Leone.
Dentre os filmes que ele compôs a trilha, chamo a atenção para um: “Os Intocáveis” de 1987 (que não tem nada a ver com o “Intocáveis” de 2011). Além de ser dirigido por Brian de Palma e contar com um elenco afinadíssimo, o roteiro é incrível (sem esquecer que o filme é um pot pourri de referências a outros filmes como O Encouraçado Pontemkin, Laranja Mecânica, Taxi Driver e vários outros).
Segue a trilha completa, mas começando no tema principal correndo para o ponto 20:14:
Obviamente que a partir daí passei a assistir os filmes com uma atenção redobrada neste quesito. E sem dúvida Nino Rota rapidamente me deixou impressionado. Você não sabe quem é esse compositor? Olha logo aqui pra baixo pois ele dispensa qualquer comentário!
Pois bem, costume consolidado, passei a procurar saber quem era o compositor da trilha sonora. Parecia que alguns diretores e compositores tinham alguma ligação. Assim como existiram as parcerias Fellini e Rota, Leone e Morricone, Eisenstein e Prokofiev, Hitchcock e Herrmann, vejo que chegamos a uma nova dupla no cinema: Nolan e Zimmer. E vemos dia a dia como essa dupla vem alcançando os mesmos patamares que as outras citadas.
Evitando discutir os filmes em si, apenas da parceria, chama minha atenção um tema particularmente visível (audível?) na obra de Zimmer: o épico. Isso me leva a uma digressão pessoal: discordo um pouco do sociólogo polonês Zygmunt Bauman (ele é autor de uma longa série de livros que tratam dos “paradigmas” a que nos sujeitamos na “pós-modernidade”, entre eles, da natureza fluída das relações profissionais, sentimentais e morais, por exemplo).
Como indicam as trilhas de Zimmer, não considero que vivamos numa sociedade líquida, mas sim numa sociedade épica (lembrando: a epopeia é aquela narrativa lírica, grandiosa e heróica, mas diferente do mito, tem um caráter mais “secular”, de ordem moralista, objetiva e histórica).
É frequente a busca pela satisfação das vontades mais grandiosas. Consome-se em ambições astronômicas; compram-se carros ultra potentes; anseia-se a perfeição física (mesmo que comer, só na base super size). Enfim, faz-se da identidade a busca por algo grandioso.
Reparem na trilha do “A Origem“, e em como ela, desde os primeiros acordes até o último, nos suscita a uma ampliação dos sentidos, das sensibilidades, a percepção de uma outra realidade. Uma realidade alternativa e quase aumentada, como propõe o filme.
(Como raras vezes acontece, a produção gerou um filme de equilíbrio primoroso. Um App para IOS foi produzido tentando reproduzir essa experiência. Basicamente o aplicativo fica tocando as músicas da trilha, mas alterando o volume e alterando a intensidade de alguns instrumentos. Ele faz isso a partir dos sons captados pelo microfone do aparelho. Além de tudo, recurso mais amedrontador do aplicativo, ele grava os sons ao seu redor e os repete, distorcendo ou inserindo no meio da música, mas de maneira aleatória. Se você ficou curioso, dê uma olhada e se jogue nessa proposta de realidade aumentada aqui)
A arte imita a vida. Hans Zimmer, muito sagaz, percebeu isso. Fez uma trilha excelente para a vida. Que se registre, não é apenas ele que usa o recurso, tampouco foi ele que o criou. Uma das provas disso pode ser vista no filme “Ben Hur” de 1959, que tem proporções literalmente épicas.
Pessoalmente, Zimmer fez as trilhas sonoras mais marcantes da minha vida desde que me entendo por gente. Um dos meus filmes favoritos de infância é “O Rei Leão“, e adivinha de quem é a trilha. Escutem, pensem no que mencionei sobre o épico.
Desde 1994 esse cara vem alimentando o imaginário musical de toda uma geração. Geração agora que está entre os 20 e 30 anos, comprando, consumindo e chegando ao ápices de suas vidas (not). A geração Y, querendo ou não, foi influenciada por esse padrão. Claro que não é esse o único fator que forma essa geração, mas ele reflete muito claramente essa complexidade.
É curioso como vemos repetição de formato entre algumas trilhas do mesmo autor. Prestem atenção em 3 em especial: “A Origem”, “Batman- O cavaleiro das Trevas” e “Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras“. Reparem como a “cama” sonora é muito semelhante, e as vezes parece que estamos falando de uma mesma música, mas com variações de humor. A primeira trilha seria uma instrospecção, a segunda um renascimento e auto descobrimento, a terceira uma ironia feita a si próprio.
O mais curioso é que as três dão um ar ao filme de grandiosidade, mesmo no terceiro, que beira o humor graças à atuação de Robert Downey Jr. Escute as outras duas. Comente sobre a experiência. Estou sendo muito épico ou de fato esse alemão sacou o espírito musical de nosso tempo?
Coleciono trilhas sonoras desde muito jovem. Na verdade, o primeiro CD que comprei foi justamente uma trilha de filme (Ghost) e estou sempre buscando trilhas interessantes. Chego a comprar trilhas de filmes que não vi apenas pelo seu compositor.
Zimmer se apresenta hoje, a meu ver, como ocupante de um posto que foi deixado vago por Jerry Goldsmith, ou seja, o de um compositor clássico à serviço do cinema, capaz de criar composições com vida própria, isto é, que não dependem da película para sua apreciação.
PS: Eu tambpem uso trilhas para, entre outras coisas, escrever.
Adoro trilhas sonoras, em especial as orquestradas! São magníficas! E com certeza o melhor compositor da atualidade é Hans Zimmer. Perfeição em cada nota!
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