Conheça a hq que inspirou o Lex Luthor de Nicholas Hoult no filme Superman de James Gunn.
Por Washington Eloi Francisco*
Publicada originalmente nos EUA em 2005, a minissérie Lex Luthor: O Homem de Aço , de Brian Azzarello e Lee Bermejo, transcendeu o status de uma simples história do antagonista para se tornar um documento seminal sobre a psique do poder na era moderna. A obra não se contenta em explicar um vilão; ela desconstrói o arquétipo do herói ao nos forçar a encarar o conflito por uma ótica de conforto lógica: a da humanidade própria, representada em sua forma mais ambiciosa e controladora.
Azzarello nos submerge na perspectiva de Luthor através de uma narração em primeira pessoa que é, ao mesmo tempo, sedutora e aterradora. Aqui, Superman não é um salvador, mas uma anomalia existencial, um poder exógeno que, com sua mera presença, invalida o esforço, a superação e a própria soberania humana. O ódio de Lex é de natureza filosófica. Ele se posiciona como o verdadeiro protetor da espécie, um Prometeu corporativo que luta contra a passividade gerada pelo estímulo a um deus específico. Essa visão é brutalmente materializada pela arte de Lee Bermejo, que ancora Metrópolis em uma realidade de concreto, aço e sombras, onde a ameaça não é uma fantasia colorida, como normalmente a cidade é retratada, mas representa uma crise palpável de identidade civilizacional.
O paralelo com a ascensão dos tecnocratas bilionários do século XXI realizado é intencional. O Luthor de Azzarello é o protótipo do bilionário messiânico, uma figura que facilmente poderia ser correlacionada com Elon Musk, que funda a filantropia com um controle sociopolítico ferrenho, acreditando que o progresso só é legítimo quando guiado por sua visão e capital. Sua LexCorp não é apenas uma empresa, é um estado-nação ideológico. A criação da heroína “Esperança” é confirmação de sua tese: ele não combate o símbolo do Superman com força brutal, mas o torna obsoleto ao substituí-lo por um produto superior, um ídolo “Made In Earth”, totalmente controlável e projetado para servir a seus interesses.
Essa complexidade foi o alicerce para a versão do personagem vista no recente Superman de James Gunn. No filme, Nicholas Hoult encarnou precisamente este estrategista maquiavélico, cuja oposição ao Homem de Aço não deriva de uma inveja simplória, mas de um cálculo frio e uma constatação sociológica: a mera existência do Homem de Aço torna a humanidade obsoleta, como um produto melhor substituiu outro no mercado. O Luthor cinematográfico, assim como o da HQ, enxerga o Superman não como um rival, mas como um erro sistêmico, uma variável externa que desestabiliza o projeto humano de autodeterminação. A influência da obra de Azzarello é direta, moldando um antagonista cuja periculosidade reside em sua capacidade de nos convencer de que ele está, em última análise, certo.
Lex Luthor: O Homem de Aço não é, portanto, apenas uma leitura recomendada; é uma peça crítica para compreender a evolução do vilão mais icônico da DC e a base conceitual que agora define sua aclamada encarnação nas telas.
*Washington Eloi Francisco é nerd elevado à 5ª potência – Filmes, séries, quadrinhos e action figures é com ele. Membro do Núcleo de Pesquisa em Quadrinhos da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (NUPEQ-UEMS).







Li essa hq há muito tempo. Um detalhe que se destaca muito pra mim, é como Bermejo evita mostrar diretamente o rosto do Superman, sempre o cortando ou sombreando, evidencia como a ótica do Luthor o desumaniza. Vim pelo grupo do HQZasso, inclusive. Excelente artigo