Sobre a eminente e iminente publicação da obra de Wertham no Brasil.
Fredric Wertham (1895-1981), psiquiatra germano-americano, continua sendo uma figura controversa décadas após a publicação de seu polêmico livro “Seduction of the Innocent” (1954), por aqui “A Sedução do Inocente”. Responsável por associar os quadrinhos a comportamentos delinquentes e à degradação moral, Wertham é frequentemente retratado como um vilão do entretenimento. Mas será que publicar sua obra no Brasil, projeto encabeçado pelo renomado Gonçalo Júnior, autor do clássico “A Guerra dos Gibis” e sua Editora Noir, é realmente uma “ideia idiota”, como pontuou Waldomiro Vergueiro, um dos mais importantes pesquisadores de quadrinhos?
Importante mencionar, o livro não deve ser lido isoladamente como um manifesto reacionário. A obra emerge em um contexto sociopolítico marcado pela Guerra Fria e por mudanças culturais profundas nos Estados Unidos. Como argumenta o historiador Rodrigo Cardoso Polatto, Wertham foi instrumentalizado por forças políticas conservadoras, servindo e sendo cooptado por seu projeto político. Mas o peso de Wertham e sua obra deve ser ignorado? O indivíduo deve ser diluído em seu contexto? A publicação de sua obra no Brasil, acompanhada de uma análise crítica, oferece uma oportunidade única para o debate.
O trabalho de Wertham, com falhas metodológicas amplamente reconhecidas, levantou questões sobre os impactos da mídia que permanecem. Ao dar a preocupações sociais, a um pânico moral, um discurso com verniz de ciência, ele endossou uma base moralista para debates sobre regulação de conteúdo e liberdade de expressão. Esses debates ressoam até hoje em diferentes plataformas, como internet e videogames, e revisitar suas ideias nos ajuda a entender esses discursos e suas mudanças e permanências históricas.
Uma crítica à publicação de Wertham é o risco de reintroduzir ideias ultrapassadas e desacreditadas, comparadas até mesmo a estudos pseudocientíficos. Contudo, esse argumento ignora o formato da nova edição planejada: “A Sedução do Inocente” será acompanhado por “A Reflexão do Inocente”, uma análise crítica elaborada por especialistas – ainda que não conste um único historiador entre eles. Essa abordagem permite que o público entenda as falhas e os limites do trabalho de Wertham, enquanto explora os contextos e preconceitos que moldaram sua obra.
Esses paratextos publicados juntamente com a obra, em um único volume, ou a edição com notas explicativas no mesmo livro da obra original seria melhor? Possivelmente. Mas,venhamos e convenhamos, não seria isso que impediria algum oportunista de plantão fazer um uso enviesado de seu conteúdo.
Além disso, a publicação como um conjunto, vendida lacrada e com um subtítulo explícito destacando o impacto negativo do livro, reforça o objetivo educativo e evita que a obra seja lida fora de seu contexto crítico. Isso reduz significativamente o risco de mal-entendidos ou de um suposto endosso às ideias originais do autor.
Publicar Wertham no Brasil não é apenas uma oportunidade para os pesquisadores, mas para o público geral que busca entender as raízes de debates sobre censura, liberdade de expressão e os efeitos da mídia. A inclusão de “ A Sedução do Inocente” no escopo das publicações brasileiras, contextualizada por “A Reflexão do Inocente”, também confronta o problema da interpretação da figura de Wertham.
O Segredo da Sedução do Inocente
Rogério de Campos, em seu mais recente livro, “O Segredo da Sedução do Inocente”, busca reabilitar a figura de Fredric Wertham, mas o faz de forma que suscita questionamentos importantes. Ele argumenta que Wertham não era um moralista reacionário, mas um intelectual preocupado com desigualdade racial e saúde pública, além de defensor de obras censuradas. No entanto, essa visão simplifica o impacto de Wertham e minimiza os efeitos deletérios de suas ações, que contribuíram para uma onda de censura e conformismo na indústria dos quadrinhos.
Rogério de Campos relativiza o peso de “A Sedução do Inocente”, destacando que as “Cruzadas Anti-Quadrinhos” começaram antes da publicação do livro, o que é fato, porém omitindo que Wertham já participava ativamente do debate público desde a década de 1940, promovendo críticas inflamadas contra os quadrinhos. Sua tentativa de deslocar a responsabilidade histórica para uma suposta “Conspiração das Grandes Editoras”, como a DC Comics, contra a E.C. Comics, pode até ter mérito como análise econômica, mas minimiza o papel de Wertham em contribuir para o discurso moralista que legitimou a criação do Comics Code Authority, que prejudicou não apenas a E.C. Comics, mas a criatividade e a diversidade de toda a indústria.
Ao tentar transformar Wertham em um progressista incompreendido, Rogério de Campos negligencia os danos concretos de sua atuação e obra e subestima a gravidade de suas ações no cerceamento da liberdade artística e cultural – ainda que, talvez, Wertham não o desejasse. A obra, mesmo interessante como provocação e levantando pontos importantes, carece de uma análise mais equilibrada e histórica.
Idiota?
Publicar Fredric Wertham no Brasil não é uma ideia idiota; é, ao contrário, uma oportunidade crucial para revisitar um momento histórico emblemático e debater questões contemporâneas sobre censura, liberdade de expressão e mídia. A proposta de publicação, com uma análise crítica complementar, garante que o público tenha acesso a uma visão ampla e contextualizada do impacto e das falhas de “A Sedução do Inocente”. Assim, longe de ser uma decisão equivocada, essa publicação representa uma chance de aprendizado e reflexão crítica. Afinal, é no confronto com ideias controversas que a compreensão histórica e cultural pode avançar.
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Parabéns, a questão foi muito bem colocada, equilibrada e amparada no bom-senso.
Obrigado, meu caro. E vi que a obra bateu a meta no financiamento coletivo. Sucesso!
Acho esse medo dos efeitos que a publicação pode ter um reflexo bobo, conservador e alarmista. Outra coisa é a avaliação da qualidade editorial da publicação, o que só poderemos ter certeza posteriormente. A opção por 2 publicações diferentes é, sem dúvidas, péssima. Em que mundo vc precisa ler um livro tendo que consultar as notas em outro? Então eu não me apressaria a avalizar a publicação.