Os Vingadores versus a Extrema Direita

Chip Zidarsky volta pra Marvel com uma minissérie em 6 edições que prometia ser o Reino da Amanhã da Casa das Ideias. Será?

A minissérie Avengers: Twilight de Zidarsky com arte de Daniel Acuña era uma das promessas da editora no final de 2023 e começo de 2024. Quando saiu o primeiro número, os elementos da história apontavam para um debate político que poderia contribuir muito para as reflexões sobre o momento que os EUA vivem hoje. Vou resumir aqui a primeira edição, dar alguns elementos da história e revelar o desfecho (tem spoilers).

Um futuro altamente tecnológico, uma força policial sem rosto, ostensiva, que impõe a lei na base da tolerância zero e do toque de recolher, uma população domesticada que abriu mão da liberdade e da privacidade em nome da segurança. Esse é o cenário onde encontramos os heróis aposentados, Steve Rogers, Luke Cage e Matt Murdock conversando sobre o passado no banco de uma praça.

Na primeira edição Zidarsky explica os eventos que levaram até aqule cenário e estabelece o conflito que obriga Rogers a se posicionar publicamente e, por fim, abandonar a aposentadoria. Nas primeiras páginas vemos um poster antigo da campanha para a eleição de Rogers para o senado. O encontro dos velhos heróis na praça é motivado por uma data – 13 de agosto – o Dia H. Na conversa deles descobrimos que o soro do super soldado que deu a Rogers suas habilidades não está mais ativo em seu corpo, e que ele não pretende se posicionar contra as novas medidas de controle e vigilância da população civil já que a maioria escolheu, reiteradas várias vezes através do voto, esse modelo de sociedade.

Mas o anúncio de um documentário que promete reescrever a história com novas informações sobre Johann Schmidt, o Caveira Vermelha, abala Rogers. Segundo esse revisionismo, as intenções de Schmidt teriam sido mal compreendidas. Na “verdade” o plano dele para matar Hitler seria uma “prova” de sua luta contra o nazismo. Convidado para opinar sobre isso numa entrevista, Rogers debate com o filho de Tony Stark e Janet Van Dyne (Vespa), James Stark (CEO das Industrias Stark), que acusa o velho herói de cercear a liberdade de expressão e de estar preso a uma visão dicotômica de bem e mal. Durante a entrevista são mostradas imagens do Dia H, momento em que a cidade de Boston foi completamente destruída pelo Hulk (manipulado por Ultron), onde muitos super-heróis morreram (além de milhares de civis). A data marcou o fim do apoio da opinião pública aos super-heróis.

Saindo abruptamente da entrevista Rogers acaba presenciando e se envolvendo numa ação de repressão policial contra adolescentes que estavam grafitando um muro. O velho Capitão América apanha da polícia e é salvo por uma figura desconhecida. Ele acorda no dentro da organização secreta liderada por Luke Cage. E é nesse momento que Rogers se vê diante da oportunidade de receber um novo soro do super soldado para voltar a ser o Capitão América e inspirar a opinião publica contra o negacionismo e o autoritarismo que tomaram conta da sociedade.

Assim acaba a primeira edição, fazendo muito acenos para a conjuntura política atual dos Estados Unidos. Ao longo da série o Capitão vai recrutar antigos aliados para essa batalha pelos corações e mentes da população dos EUA. Como era de se esperar, o inimigo é o Caveira Vermelha, que, nos bastidores, se aliou a Ultron e manipulou o filho de Tony Stark para usar as industrias Stark para expandir a dependência tecnológica e a vigilância digital (em nome da segurança).

Em algum momento descobrimos que os novos Vingadores, que atuam como uma polícia de alcance global, são uma ilusão criada pela Inteligência Artificial (Ultron) para criar uma falsa sensação de segurança na opinião pública. Mas infelizmente todo esse cenário complexo e bastante atual é desperdiçado na última edição com uma solução simplista. Os hackers da equipe de Luke Cage conseguem filmar e transmitir ao vivo aquela classica confissão de vilão que no ápice da batalha com o herói sente a necessidade de afirmar sua verdadeira motivação.

Na minissérie essa solução é o Caveira Vermelha dizendo que vai matar o presidente “fantoche” já que “quem precisa de um presidente quando tem um Führer?”. A aposta aqui é que ao serem confrontados com a realidade, as pessoas mudariam de opinião e passariam a questionar as medidas que limitam a liberdade delas em nome de uma (falsa) segurança. Só que se tem uma coisa que a conjuntura atual tem mostrado reiteradas vezes é que as pessoas preferem a mentira, mesmo sabendo que é mentira, desde que isso as faça sentir alguma segurança (mesmo que elas saibam que essa sensação de segurança é falsa).

Já falamos aqui no blog e no nosso podcast, como o público que consome quadrinhos de super-heróis hoje é muito mais velho do que o público que originalmente consumia esse tipo de produto da cultura pop decadas atrás. Esse público que tem em torno de 40 anos (predominantemente masculino), tende a resistir raivosamente a qualquer mudança e novidade introduzida pelos roteiristas nas histórias de seus personagens favoritos. Para essa parte do público, qualquer debate político nos quadrinhos é “woke”, ou “esquerdista”. Ironicamente a minissérie retrata uma geração que já perdeu a relevância voltando à ativa para influenciar o debate público. O problema é que eles escolhem uma solução simplista, que despolitiza os problemas levantados pela própria história.

A única coisa realmente boa das seis edições é a arte do Daniel Acuña que entrega um cenário futurista consitente. De todo modo a história termina com a reconstrução da torre dos Vingadores, indicando a porta aberta para que outras histórias sejam contadas nesse cenário. Eu não me animo.

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About Picareta Psíquico

Uma ideia na cabeça e uma história em quadrinhos na mão.
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