
Patsy Walker é uma das poucas personagens que sobreviveu à transição da Timely Comics para a Marvel Comics. Mas ela conseguiu escapar dos estereótipos de sua origem?
Criada em 1944 para rivalizar com os quadrinhos da Archie Comics, Patsy Walker apareceu pela primeira vez nas páginas da revista Miss America, publicação da Timely voltada para o público feminino. No ano seguinte ganhou seu título próprio – Patsy Walker – que foi publicado regularmente até 1965, e alguns anos depois a revista teve dois spin-offs (que foram publicados até 1967) – Patsy and Hedy (1951) e Patsy and her pals (1953). As histórias românticas de Patsy sobreviveram à queda nas vendas de quadrinhos no pós-guerra e ao ressurgimento dos super-heróis nos anos 1950. Ela inclusive aparece numa cena do casamento de Reed Richards e Sue Storm (Fantastic Four Annual #3 – 1965), seguindo a diretriz de que tudo que a Marvel publicava acontecia no mesmo universo.

Mas o sucesso das HQs de super-heróis foi tamanho que os quadrinhos de romance foram aos poucos sendo cancelados. Os editores resolveram atualizar Patsy e incluí-la nessa nova onda do mercado. O roteirista Steve Englehart, que na adolescência colecionava tudo que a Timely/Marvel publicava, incluindo Patsy Walker, trouxe a personagem de volta em 1972, numa história do Fera (Hank McCoy), na revista Amazing Adventures #13. Além da personagem, ele também trouxe de volta o contexto em que Patsy estava no final de sua publicação – casada com Buzz Baxter, seu namorado do colégio. Na história o marido de Patsy é o antagonista do Fera, mas depois de algumas edições a história acaba sem um destino claro para Walker.
Mais alguns anos e ela reaparece, já divorciada, numa histórias dos Vingadores (The Avengers #141 – 1975), cobrando o favor que ela havia feito pro Fera. Ficamos sabendo que ela trocou a ajuda pela promessa de ganhar super poderes. Dos porões da mansão dos Vingadores surge um uniforme de gata, e ela assume a identidade de Hellcat, contando apenas com suas habilidades atléticas e uma quase certeza que o uniforme aumentava suas capacidades físicas. Na fase com os Vingadores ela é treinada, fora da Terra, pela Serpente da Lua (Moondragon), ganhando habilidades físicas e psíquicas. Na volta ela entra para os Defensores (The Defenders #44 – 1976), ao salvar o Dr. Estranho de uma versão maligna dele mesmo.

Na sua longa participação no Defensores (anos 1980) e nos West Coast Avengers (anos 1990), Patsy Walker se aproximou e casou com um outro membro do grupo – Daimon Hellstrom, o filho de Satã (literalmente). As disputas entre os demônios da Marvel (a família do marido de Patsy), fizeram dela um joquete. Ela foi levada para o inferno e posteriormente trazida de volta, se envolveu com magia para restituir os poderes demoníacos de seu marido, entrou em depressão e cometeu suicídio. Anos mais tarde (2000), numa história dos Thunderbolts, ela é “ressucitada”. Nesse retorno ela se divorcia mais uma vez para começar um novo caminho.

Nessa nova fase da personagem ela ganhou um título próprio (que teve apenas 3 edições), um redesenho do seu uniforme e novos poderes. Mais uma vez Steve Englehart é escalado para os roteiros e ele usa a história para fechar as pontas soltas na relação da personagem com Daimon Hellstrom e sua família infernal. A próxima aparição relevante da personagem é numa minissérie em 5 edições (2008), durante a fase da Iniciativa Vingadores, na qual ela é escalada pelo Homem de Ferro para ser a Vingadora do Alasca. Depois disso uma participação no título da She-Hulk como investigadora particular (2014). No ano seguinte estreou a série de tv da Jessica Jones (Netflix), que introduziu para um público maior a personagem Trish Walker (Patsy).
Em 2016 a Marvel fez uma nova tentativa de vender a personagem para o público feminino com um novo título – Patsy Walker A.K.A. Hellcat. Foram 17 edições, focadas nas desventuras de uma super-heroína que tem que equilibrar a relação toxica com a família, os dois ex-maridos brigando por atenção, a dificuldade em encontrar tempo para as melhores amigas. Um clima de Friends e Sex in the City com desenho fofinhos. Foi um retorno atualizado ao genero romance, com pitadas de comédia de costumes que teve um sucesso relativo.

Em 2020, o roteirista Christopher Cantwell assume o título do Homem de Ferro e tráz Patsy para ser o par romantico de Tony Stark. Os roteiros exploram o passado da personagem e devolvem a seriedade para suas histórias, mas ela novamente é coadjuvante e sua motivação é ajudar o namorado da vez. A única coisa positiva dessa dinâmica é que ela não aceita a proposta de casamento de Stark.
Agora, em 2023, o mesmo Christopher Cantwell escreveu a minissérie Hellcat, em 5 edições, trazendo de volta o fantasma da mãe de Patsy, seu ex-marido demoníaco, um novo interesse romântico (que morre logo no início da história e é o grande mistério do roteiro). O que poderia ser uma nova abordagem para a personagem cai no clichê. No fim, a morte do namorado foi suicídio. Patsy descobre que sua “aparencia real” é demoníaca, ela está em conflito se é uma pessoa boa ou má. Lembranças do passado vão dando elementos que reforçam uma e outra ideia. Ao descobrir sua faceta demoníaca ela fica ainda mais insegura. O namorado não aguenta vê-la como alguém deplorável (essa é a palavra usada para classificar a personagem na história), e por isso tira a própria vida.
Ao longo de todas as histórias da pesonagem, Patsy Walker não consegue se livrar do peso dos histórias estereotipadas de romance. Todo o tempo as escolhas e motivações da personagem são guiadas por alguma figura masculina. O moralismo religioso que impõe às mulheres esse caráter dualista, a colegial apaixonada de um lado, e a pecadora e desencaminhadora de beatos, de outro, estava presente nos tempos da Patsy and her pals, e continua na sua versão super-heroica (de forma mais literal, aprofundando o estereótipo). A fase onde isso pesa menos é na Patsy Walker A.K.A. Hellcat (não por acaso escrita pela canadense Kate Leth), onde o estereótipo é usado, mas é também ridicularizado. Que outras roteiristas mulheres possam criar histórias para essa personagem para tirá-la desse limbo criativo.





